A luz do sol aquece as ruas vazias da cidade. Quando chover, talvez amanhã, também será assim. A solidão do asfalto não é mais privilégio das madrugadas na capital federal. Em nome de todos e de cada um de nós, a população do Distrito Federal se isola nas próprias casas e faz dos vãos-livres o remédio para combater a pandemia que assola o país e o mundo.
No Plano Piloto, região que até agora concentra o maior número de casos confirmados da doença de nome já conhecido, o cenário é de uma guerra contra a ameaça invisível. Causadora dessa paisagem distópica, a Covid-19 se tornou realidade para os moradores da capital federal em 5 de março, quando houve a confirmação do primeiro caso de infecção pelo coronavírus na cidade.
Na tentativa de vencer o vírus veloz, o governo local combateu também com agilidade. Menos de uma semana depois, adotava as primeiras medidas de contenção, com base em evidências científicas que reforçam a importância do isolamento social para barrar o avanço das infecções.
Aos poucos, silenciou-se os risos nos bares e restaurantes, nos parques, nos centros de lazer e de compras. Os passos dos turistas na Praça dos Três Poderes ou entre as barracas na Feirinha da Torre de TV cessaram. A Rodoviária do Plano Piloto, acostumada a receber cerca de 800 mil passageiros em dias normais, agora abre as plataformas para 2 mil pessoas.
O medo e o bom senso passaram a andar de mãos dadas, entranhados em uma população que está temporariamente impossibilitada de se dar as mãos. Na área central da cidade, é possível ver cidadãos seguindo à risca a recomendação. Dois metros de distância os separam uns dos outros. Em frente à Catedral, vendedores de picolé são os únicos a povoar uma praça deserta.
Dias difíceis virão. E os mais vulneráveis serão os primeiros a sofrer as consequências. Suportar as agruras do confinamento virou missão de vida ou morte para aqueles que têm condições de ficar em casa e cumprir as medidas determinadas pelo Executivo local.
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Rodoviária do Plano piloto (alto), Eixo Monumental e estacionamento do Boulervard Shopping (baixo). Ruas praticamente sem movimento são a nova cara de Brasília neste período de quarentena, mas a vida continua dentro dos lares
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Nova rotina
Claudinete de Lima, 43 anos, trabalha como motorista de transporte por aplicativo há um ano e meio. Moradora de Luziânia (GO) — distante 60km de Brasília —, ela conta que tem trabalhado cerca de 14 horas por dia para dar conta das despesas da casa. “Caiu em 60% o número de clientes. A cidade está parada e vazia. A sensação que tenho é de tristeza. Me dá um desespero ver a capital nessa situação”, lamenta.
Mãe de dois filhos, de 17 e 24 anos, ela tem adotado medidas de prevenção ao novo coronavírus. “Deixo as janelas abertas, higienizo o interior do carro com álcool e peço para o passageiro se sentar no banco de trás. Todo cuidado é pouco”, diz. “Todos os dias peço a Deus pela nossa nação. Quero que essa doença passe para a nossa cidade voltar a ser alegre como antes.”
Em meio ao caos silencioso, os engenheiros Fernando Gomes, 54, e Alessandro Silva, 43, escolheram um lugar atípico para conversar sobre negócios: a praça da Catedral Metropolitana de Brasília. “Eu moro há quase 10 anos aqui e nunca vi uma cena dessa. Uma cidade vazia, que causa tristeza. Sei que o confinamento é necessário, mas ele maltrata”, desabafa Fernando.
Os dois administram uma empresa de engenharia e têm visto o lucro cair com a crise causada pela Covid-19. “Ninguém compra nem vende ou recebe. A sensação é deprimente e dá uma dor no coração ver tudo parado como está”, completa Alessandro.
A rua perdeu vida nestes tempos de pandemia. Mas ela é generosa. Aguenta a solidão. Quando voltarmos a caminhar regularmente em seus contornos mais distantes ou pertinho do nosso lar, vai nos brindar com o colorido das mais belas flores do cerrado.