RIO — Apaixonado pelo Brasil e envolvido na causa da sustentabilidade, o engenheiro mecânico canadense Arian Rayegani, de 28 anos, se mudou para a Rocinha em 2019 com um objetivo: difundir sua ideia de produzir skates com tampinhas de garrafa PET. O projeto tomou forma na comunidade no ano passado, em abril, próximo à entrada do Portão Vermelho, com o nome de Na Laje Designs (@nalajedesigns), onde funciona a fábrica do canadense. Até hoje, a iniciativa de Rayegani já fez com que aproximadamente 700 quilos de tampinhas não fossem descartados irregularmente.
De acordo com um levantamento do projeto, mais de 230 toneladas de resíduos, que variam de plásticos, papelão, isopor e outros, são descartados por dia na Rocinha. Esse número fez da comunidade um lugar perfeito para a implementação da iniciativa, segundo o engenheiro:
Ele conta que o estalo para iniciar a confecção dos skates aconteceu na cozinha de sua casa, em Toronto, quando manuseava os resíduos de lixo produzidos por sua família:
— Eu queria achar um novo destino para aquela quantidade toda de lixo, algo focado na reciclagem.
Após pesquisas, o mais viável foi produzir o skate. Hoje, o projeto tem apoio de ONGs como Salvemos São Conrado, Vivendo Um Sonho Surf, Horta na Favela e Família na Mesa, todas atuantes na região da Rocinha.
Para fazer uma unidade, ele utiliza cerca de 500 tampinhas, o que equivale a um quilo de plástico. O material vem de moradores da comunidade, de pescadores das redondezas e de projetos sociais envolvidos com produção e distribuição de alimentos.
O processo de confecção demora cerca de duas horas, entre triturar, colocar na prensa e depois no forno. Hoje, com a demanda em alta por parte de empresas, Rayegani contratou dois funcionários para ajudar no trabalho. Cada skate sai por R$ 480 com as rodas. Sem elas, fica por R$ 260.
— Ainda não tenho o retorno financeiro que investi, que foi algo próximo de R$ 50 mil, para a criação do Na Laje. A demanda é alta, mas a gente ainda não consegue atender a todos. Nossa equipe é pequena para o tanto de pedidos. A gente está caminhando aos poucos — conta o engenheiro.
O espaço tem o tamanho aproximado de um quarto de três por três metros. A ideia é que ele consiga ampliar a fábrica para que se torne um espaço de narrativas sustentáveis: com uma horta ecológica, promovida pelo Horta na Favela, outro projeto da região; um espaço para workshops; e uma fábrica em tamanho maior, para que visitantes também possam fazer parte da confecção:
— Nós estamos estimando algo em torno de R$ 100 mil para a ampliação. Queremos que aqui se torne um local para turistas e moradores.
Rede de pesca
Outra ideia é que os resíduos reutilizados ultrapassem as tampinhas. Até agora, com elas, ele já fez troféus para campeonatos locais e arriscou um relógio de parede. A próxima etapa é reutilizar redes de pesca, a partir deste ano. Segundo o engenheiro, o material é bem mais resistente que o PET.
— Daqui a dez anos, queremos estar em outros lugares do Brasil. Temos percebido essa demanda. É difícil pensar no projeto como algo que dê também retorno financeiro, até porque a confecção é muito cara, mas penso, principalmente, na educação das pessoas daqui e de fora — afirma ele.
Quem vê um futuro brilhante com esse e outros projetos na Rocinha é Marcelo Farias, ativista do projeto Salvemos São Conrado e morador há 45 anos da comunidade. O projeto organiza, desde meados de 2011, ações de limpeza na Praia de São Conrado. Segundo Farias, mais de cinco toneladas de lixo já foram retiradas em apenas um dia de mutirão:
— Um dos nossos maiores problemas aqui é o lixo. Muitos não têm acesso à lixeira; moram no topo do morro e fazem o descarte incorretamente. É pouco o investimento. Quando projetos como esses vêm para a região, sinto que a população toma uma consciência maior. Coloca na mente das pessoas que o lixo pode ser reutilizado e até descartado de forma diferente, sem ser no meio da rua ou nos mares, como vemos em grande quantidade.