Filho de peixe sabe nadar. A língua é filhote dos homens. Uma e outros são enganadores. Parece que são, mas não são. A expressão um dos que serve de prova. Morre de rir dos que caem em suas malhas. Disfarçada, fica à espreita dos desavisados. É o caso do deputado que tinha complexo de Deus — de Deus com complexo de grandeza.
Um dia, o deputado pede a palavra no plenário. Elegante, gravata borboleta, sobe à tribuna. Pigarreia. Limpa a garganta. Discursa: “Senhor presidente, não sou um daqueles que…” Pára aflito. Não com medo dos apartes, mas da concordância. Singular ou plural?
Faz rodeios. Intercala uma oração aqui, outra ali. Mas acaba voltando à frase original. “Não sou um daqueles que…” Trai ou traem? Transpira. A gravatinha murcha. O presidente anuncia que o tempo acabou. O pobre deputado deixa a tribuna. Humilhado, não conseguiu passar da primeira frase.
Você sabe a resposta? Antes de responder, faça o teste. Leia os períodos com atenção. Depois, assinale com V, de verdadeiros, os que estiverem certinhos da silva. E com F, de falso, os que não estiverem com nada. Por fim, assinale a seqüência nota mil:
( ) Não sou um daqueles que trai. ( ) Não sou um daqueles que traem. ( ) O Tietê é um dos rios da capital paulista que deságua no Paraná. ( ) O Tietê é um dos rios da capital paulista que deságuam no Paraná.
a. V, F, V, F b. F, V, F, V c. V, V, V, F V, V, V, V
Marcou a letra c? Pra lá de certo. Você conhece os mistérios da concordância do um dos que. Preferiu outra letra? Abra os dois olhos. Dê uma lidinha na explicação e responda ao teste do Mãos à obra. Depois de todo o percurso, você terá uma certeza. O diabo não é tão feio quanto o pintam.
Vale (quase) tudo
A expressão um dos que é flexível como o arbusto. Topa o singular e o plural. “Não sou um dos que traem”, poderia ter dito o deputado. “Não sou um dos que trai” seria a outra forma. Ambas estão gramaticalmente certas. Mas o sentido muda um pouco. Ao usar o singular, o autor diz que a ação se refere a um só indivíduo. O plural, ao contrário, a todos.
Vai outro exemplo. Lula é um dos presidentes que sorri muito. No caso, dá-se realce a um. Daí o singular. Lula é um dos presidentes que sorriem muito. Tradução: Lula é um dos tantos presidentes hienas. Por isso o emprego do plural.
Cuidado! Muito cuidado! A generalização é burra. Às vezes, o verbo se refere a um só indivíduo. No caso, precisa ficar no singular. Quer ver?
O Tietê é um dos rios da capital paulista que deságua no Paraná. (Ora,
só o rio Tietê deságua no Paraná. Aí, não há saída. O singular é obrigatório.)
Macbeth é uma das peças de Shakespeare em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. (Está claro? Só uma das tantas peças de shakespeare está em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil.)
É isso. Afora casos singulares como o do rio Tietê e da peça Macbeth, um dos que é expressão-gilete. Corta dos dois lados.