RIO — Um vídeo que ganhou nesta sexta-feira as redes sociais mostra centenas de motociclistas saindo da Rocinha, de madrugada, para o chamado “rolezinho”. Pela manhã, o comércio na comunidade funcionou a todo vapor, assim como em favelas do Complexo do Alemão. A Sexta-Feira Santa mostrou que, em várias comunidades do Rio, as regras de isolamento social foram completamente ignoradas. Uma percepção comprovada com números que impressionam.
Por meio de um mapeamento feito com dados de uma única operadora de telefonia móvel, a TIM, o Centro de Operações Rio (COR), da prefeitura, chegou a detectar uma concentração de 10,6 mil pessoas numa área de Rio das Pedras, na Zona Oeste, no último domingo. Em um trecho da Rocinha, houve uma aglomeração de 4.960 celulares ligados às 23h do sábado passado, praticamente o dobro do volume registrado no mesmo dia da semana anterior. O horário, segundo o órgão do município, sugere a realização de algum evento.
— Como recebemos dados de uma única operadora, é muito provável que as aglomerações sejam superiores às que detectamos. Estamos conversando com a Anatel e com outras empresas de telefonia para tentar expandir esse mapeamento. O ideal seria que, neste momento difícil, todas as prefeituras do estado tivessem acesso às informações — diz Alexandre Cardeman, chefe-executivo do COR.
No Complexo do Alemão, o feriado foi de comércio cheio. O fundador do jornal comunitário Voz das Comunidades, Renê Silva, compartilhou pelo Twitter uma foto que mostra uma movimentação intensa, o que considera uma “tragédia anunciada”. Já o fotógrafo Bruno Itan divulgou, em seu Instagram, um vídeo gravado na favela Nova Brasília. Nas imagens, uma multidão circula por ruas.
Nos últimos dois dias, a prefeitura realizou operações para fechar o comércio não essencial na Rocinha. Cerca de 250 lojas e 850 boxes tiveram acessos bloqueados enquanto guardas municipais usavam alto-falantes para passar informações sobre o coronavírus. O fluxo de pessoas até diminuiu, porém muitos estabelecimentos acabaram sendo reabertos horas depois, e o secretário de Ordem Pública, Gutemberg Fonseca, reconheceu que, sem conscientização, ações do poder público contra o coronavírus não darão o resultado esperado.
— Tive hoje (sexta-feira) uma reunião com 50 lideranças de diferentes comunidades. É importante que cada uma se empenhe para divulgar o potencial de contágio da Covid-19 — alerta o secretário.
Segundo Fonseca, a quantidade de denúncias passadas ao Disque-Aglomeração, serviço lançado pelo município, aumentou. Esta semana, foram registradas mais de mil ligações por dia, superando a média de 700 da anterior.
Para tentar reduzir a circulação pelas ruas, a prefeitura tem recorrido até mesmo a influenciadores digitais.
— Ferramentas de inovação e tecnologia são essenciais para direcionar equipes e mandar mensagens pelo aplicativo do COR e por redes sociais. Temos conversado com influenciadores digitais de cada local, como Rocinha e Vidigal. Assim, esperamos conseguir uma comunicação mais direcionada — explica Cardeman.
De acordo com o presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Wallace Pereira, 150 idosos que moram na comunidade serão levados, na segunda-feira, para hotéis contratados pela prefeitura. O objetivo é que homens e mulheres com mais de 60 anos que moram em residências apertadas sejam abrigados pelo município. Até esta sexta, apenas 40 dos mais de mil quartos disponibilizados estavam ocupados.
Plano na Rocinha
Também nesta sexta-feira, durante uma visita ao hospital de campanha que está sendo montado no Riocentro, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que pedirá ao governo federal que a Rocinha se torne a primeira comunidade do país a receber um plano específico de combate ao coronavírus. Esta semana, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que uma estratégia nesse sentido vem sendo elaborada, inclusive por meio de um diálogo com o tráfico e a milícia. No entanto, nenhum detalhe do projeto foi divulgado.
Ao lado do senador Flávio Bolsonaro, Crivella anunciou ainda que o Ministério da Saúde antecipou um repasse de R$ 87 milhões, em recursos do SUS, para o município do Rio. O dinheiro será destinado ao Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, unidade de referência para o tratamento de pacientes com a Covid-19, e ao que é montado no Riocentro.