Boanerges era o detetive. Policiava a fazenda. Dava notícias de tudo.
Investigava os desvios de conduta, rastejava e colhia vestígios de algum malfeito. Observador e astuto, era um menino vivo, mesmo com a cara abestada, própria de quem nasce no mato.”
Siá Rita Tapera era uma negra magra e comprida, de seus quarenta e poucos anos, com a pele tostada e engelhada pelo sol dos Cariris; filha do lendário vaqueiro Vicente Matias da Pedra da Bicha, era casada com Zé Tapera e morava na vizinha Santa Catarina, uma enorme fazenda de propriedade do agrônomo Edson Santa Cruz, que a gente nunca chegou a ver e a quem todo mundo chamava de “o Doutor”.
Siá Rita tinha aquele fuá de cabelo enorme que parecia nunca ter visto um pente e trazia sempre um cachimbo de barro a cano comprido num dos cantos da boca; tinha um jeito de falar e contar histórias num sotaque engraçado, o linguajar muito rápido e sempre olhando pro chão.
Usava um pano que lhe cobria os cabelos já começando a embranquecer, o que tornava a sua cabeça ainda maior do que era. Aparecia pelo menos uma vez por semana lá por casa, quando ia lavar a nossa roupa, já que mamãe e nossas irmãs não conseguiam dar conta de tudo.
Pois bem, Nunes, como chamávamos Boanerges, um dia, desconfiou que a cabeça de Siá Rita estava maior do que de costume.
Enquanto alguém a entretinha, ele, por trás, puxava o pano que lhe cobria a cabeça, sem que ela pudesse nada fazer.
E a surpresa foi aquela chuva de sabão pelo chão da nossa cozinha.
É que ela guardara, ali, o sabão – artigo mais ou menos raro, já que além do “sabão da terra” que mamãe gastava horas e horas na beira do fogo pra fabricar, de sebo de gado e “potaça”, como chamávamos a soda cáustica, aquele em barras só era encontrado nas bodegas, e era caro.
Siá Rita fazia da cabeça um depósito para levar o sabão com que lavava os seus “panos”.
É claro que nós todos rimos muito enquanto mamãe, bondosa feito ela, não brigou com Siá Rita, ponderou apenas que, da próxima vez, não precisava esconder o sabão, era só pedir, que ela lhe daria.
Até porque não se podia abrir mão de uma boa lavadeira, num tempo em que a apanha do algodão, abundante naquela época era atividade que ocupava toda mão de obra dali: adultos, crianças e até idoso