Para o Mestre Goiano, com o carinho do Seu Manoel Teimoso
Começou a chover forte no território do teimoso.
Seu Manoel morava com a esposa e dois vira-latas numa casa construída à beira do rio, onde todas as vezes que chovia a residência era inundada a ponto de a água subir a três palmos do piso.
Um dia começou a chover forte. Chuva que não acabava mais. E a previsão meteorológica era de que iria chover mais forte do que os anos anteriores. Seu Manoel foi alertado pelas autoridades a abandonar a casa com a família assim que a água começasse a subir.
Como Seu Manoel era um homem extremamente religioso, devoto cego, acreditava que Deus o protegia de qualquer risco, por isso teimava em ficar na casa, mesmo com os alertas das autoridades de que, em permanecendo, poderia ser arrastado pela enchente.
Nesse dia choveu muito. Os moradores que moravam junto a Seu Manoel começaram a abandonar suas casas quando a água começou a subir. Cada família que passava em seus botes chamava Seu Manoel para que lhe acompanhasse, pois o alerta era de que haveria muita chuva. Tudo no entorno do rio seria inundado e destruído.
Seu Manoel, teimoso, preferiu ficar na casa sozinho. Mandou levar a esposa e os cachorros. Quanto a ele, acreditava piamente que Deus o protegia. Que nada lhe ia acontecer de grave.
“Deus está no comando!” “Ele me salva!” – murmurou ao umbigo!
Aumentou o volume das chuvas e, em conseqüência, a casa inundou acima da metade da parede por causa do volume de água, e Seu Manoel teve de ir para o primeiro andar.
Percebendo que Seu Manoel corria risco de ser tragado pela enchente, os vizinhos chamaram o Corpo de Bombeiros para salvá-lo. A guarnição chegou, implorou para Seu Manoel deixar a casa, mostrando o perigo iminente, com o alerta de que ia chover mais ainda. Seu Manoel não cedeu aos apelos desesperados da equipe do Corpo de Bombeiro, e esta se foi antes de ser tragada pela enchente.
Súbito aumentou a correnteza, com a água chegando à cumeeira da casa de Seu Manoel. Os vizinhos telefonaram para a emergência, e esta veio por meio de um helicóptero que ficou em cima da casa de Seu Manoel, com o piloto implorando ao gramofone para que ele deixasse a casa com urgência pôs logo-logo ela iria ser tragada pela enchente. Mais uma vez Seu Manoel relutou e não cedeu aos apelos do piloto do helicóptero, preferindo seguir suas convicções religiosas.
“Deus é fiel! Não vai me deixar só!” – disse para si mesmo, convicto.
Mal o helicóptero bateu em retirada a casa de Seu Manoel desabou e ele foi engolido pelas águas e seu corpo nunca foi encontrado.
Ao chegar ao céu, Seu Manoel foi inquirido por Deus que lhe perguntou por que não atendeu aos apelos dos homens para que fugisse da cheia. Ao que Seu Manoel, teimoso, retrucou:
– Mas, Senhor, eu lhe esperei a ajuda. O Senhor não é onipotente, onipresente e onisciente? Pai e protetor dos pobres?
– Sim, meu filho, Eu sou! Mas eu lhe mandei ajudas. Você é que as ignorou, preferindo acreditar em milagres. Mandei o barco, o corpo de bombeiro e, em seguida, o helicóptero, e você disse não a todos! Como castigo por sua teimosia, vou mandá-lo para a profundeza do quinto dos infernos onde está preste a chegar um sujeito que se diz ser a alma mais honesta do mundo! E tem gente que acredita nele! Você e ele vão fazer uma pareia da porra! Um teimoso como uma mula e o outro que se diz “uma viva alma mais honesta do que Eu!”