Cartomante de Nicolas Régnier, pintor italiano (1591-1667), a semelhança de Tia Jurema
Seu Juvino era um setentão que exteriorizava sua angustia com a vida em bate papo com os amigos, apesar de ter uma companheira pela qual dizia ser apaixonado. Era-lhe visível a solidão de estar acompanhado, mas só. Todo dia lamentava não ter o aconchego da parceira na cama para abraçar-lhe o corpo, apertar, beijar, acariciar, tocar-lhe as partes sensíveis e depois viajar pelo infinito da Costela de Adão com as mãos espalmadas amaciando as curvas lombares, até o prazer explodir.
Angustiado de ver todos os dias a companheira deitada com as ancas roliças para cima, cobertas por uma camisola de seda transparente, dormindo e sem poder fazer nada porque ela o rejeitava se dizendo cansada do trabalho diário, Seu Juvino resolveu procurar uma cartomante para passar a limpo aquela indiferença.
Por meio do seu grande amigo de jogar conversa fora, Tião Pé de Mesa, soube que havia uma cartomante de nome Tia Jurema que era o cão chupando manga em quiromancia. Arranjava solução para todos os problemas conjugais, carnais, chifrais e sexuais. Com as cartas e búzios às mãos, ela prometia trazer o homem ou a mulher amada de volta. Estimular a libido, intumescer o que estava mole, descobrir quem estava traindo ou comendo quem…
Doido para ter a tesão da mulher de volta para as sacanagens carnais, Seu Juvino perdeu o acanhamento e procurou a cartomante Tia Jurema, indicada pelo amigo. Antes de adentrar nos aposentos sombrios do quarto onde se encontrava a mulher misteriosa, ele teve de passar por uma “triagem” numa anti-sala do terraço da casa onde a atendente lhe perguntava o porquê da visita. Embaixo da escrivaninha da secretária havia um microfone que levava todo o “diálogo” das partes à sala ao quarto místico da cartomante, de modo que, quando o “paciente” entrava a quiromante já sabia o que o trouxe a li e como ludibriá-lo e arrancar-lhe a grana que quisesse.
Depois que Seu Juvino confessou todos os seus segredos e insatisfações com a companheira a atendente o ordenou se deitar na espreguiçadeira que estava ao lado, que relaxasse um pouco, pois em breve seria chamado. Tia Jurema estava em “transe” para recebê-lo com todo carinho.
Passados exatos trinta minutos, a atendente veio até Seu Juvino. Pediu-lhe que a acompanhasse e o deixou no quarto com a cartomante. Esta o mandou sentar e sem lhe tirar os olhos, puxou o véu que cobria o rosto e começou a trapacear as cartas que tinha às mãos e as jogou na mesa espalhadas, sobre o olhar curioso do “paciente.”
– Vejo pelas cartas que o senhor tem um grande problema com sua companheira por falta de sexo, não é mesmo?
Seu Juvino balançou com a cabeça que sim, e a cartomante prosseguiu:
– Também vejo pelas cartas que o senhor tem uma tesão enorme por ela e ela se diz cansada e sem apetite sexual, não é mesmo?
Mais uma vez ele balança com a cabeça que sim, e a cartomante percebendo a chance de ganhar muito dinheiro em cima da inocência de Seu Juvino, “prescreve” alguns chás de ervas milagrosas, passa por todo seu corpo uns galhos de arrudas e manjericão, inventa uns salamaleques sem pé nem cabeça, bota as mãos dele em cima dos peitos dela, senta-lhe no colo, faz-lhe uns cafunés e pede que ele retorne à próxima sessão de descarrego para a cura definitiva da indiferença. E acrescenta:
– Fique em abstinência sexual até semana que vem para a gente fazer uns testes ao vivo aqui e eu curá-lo definitivamente esse fogo.
Após sair do quarto sinistro, Seu Juvino não estava atordoado feito Camilo quando encontrou Rita morta e ensanguentada, como no conto de Machado de Assis, mas pensando nos peitos da cartomante Tia Jurema.