Seu Julim e o prazer em fazer a felicidade dos outros
Dia da criança como muitos nunca tiveram.
Depois do almoço preparado por Joana, que resolvia abater três ou quatro galinhas bem cevadas no quintal, e algo mais que se fizesse necessário para preparar a cabidela, arroz novo torrado e socado no pilão, e depois lavado na arupemba (uma espécie de peneira fabricada pelos indígenas) sem tirar aquele gosto de queimado, farinha seca crocante, feijão de corda verde com quiabo, maxixe e jerimum, além de um gostoso pirão escaldado.
Tava pronto o almoço para os parentes e a meninada que se preocupava mais nas brincadeiras da roça que em ganhar presentes da Estrela, como acontece hoje. Se bem que os brinquedos da Estrela foram substituídos pelos celulares, tabletes e autorizações para baixar os aplicativos.
As crianças têm novos hábitos. Os pais são outros. A maioria afeita à transferir responsabilidade na estruturação da família. Escancaram as portas para o Estado, e depois usam uma lupa na procura do culpado.
Almoço servido e comido, as redes são armadas na latada e no alpendre comprido da casa. É naquela rede que a gente ficar tacando o pé na parede, e aproveita pra coçar as frieiras dos dedos nas beiradas da rede tijubana e ficar escutando aquele rangido do armador como se fora um besouro mangangá.
Não tive e jamais terei vida melhor. Que aconteçam tantos e tantos Dia da Criança.
No finzinho da tarde, com o sol ainda morno, mas de quando em vez a gente escutando o barulho do chocalho preso no pescoço do bode no chiqueiro, a cadela Pintada se despedaçava na direção da porteira e se danava à latir. Chamando a atenção de todos que estão no alpendre se balançando nas redes.
– É seu Julim!
Apois, Seu Julim, em todo Dia das Crianças se dava ao trabalho de selar um burro formoso e trotar mais de dez léguas – tudo prumode ter o prazer de contar histórias e algumas estórias para a criançada. Tinha até criança que se banhava e arrumava todim, butando brilhantina nos cabelos, prumode ficar assentado e quietinho escutando as estórias de Seu Julim.
Logo que apeava do burro e o acomodava para descansar e beber água, Seu Julim achava bonito e educado cumprimentar os adultos da casa, um por um, e só então dizia o que fora fazer.
Antes de deitar na rede para balançar, Vovô João Buretama tinha a obrigação de preparar o tamborete que Seu Julim usaria para sentar e entreter a criançada. Também fazia questão de manter algum tição aceso em brasa no fogão. Era o tição que Seu Julim usaria para acender o fumo do cachimbo.
Tamborete posto e Seu Julim sentado. Agora era picar e socar o fumo no cachimbo, enquanto as crianças se aproximavam, uma a uma para sentar numa roda em forma de arena.
Tição no cachimbo e uma sugada. Tição de novo no cachimbo, até que a brasa quebrava e caía. Mas o fumo do cachimbo estava aceso.
– “Era uma vez, um Rei de uma cidade muito distante!…….”
– Seu Julim, essa estória aí o sinhô já contou!…… garantia Moisés, um dos mais antigos que já desfrutara das tardes do Dia da Criança em pelo menos três oportunidades.
– Já contei? Mas vou contar de novo, pois você drumiu antes deu acabar de contar!
Longe dali, com a penumbra da noite chegando, o sonoro e triste cântico do vem-vem dava a garantia que todos estavam mesmo era na roça, e não num shopping cheio de barulho e escadas rolantes. Muito movimento, mas sem a vida que nos faz bem e amamos.