O sangue de Cristo nos espinhos da coroa
Domingo de Ramos – todos caminhavam léguas para ir à Missa (o que não representava sacrifício nenhum, se levássemos em conta que pretendia render homenagem a quem foi crucificado). Na volta para casa, o sol das 10 horas e a areia quente, se não era nada maravilhoso, também não significava sacrifício algum.
O dia continuava passando, num misto de alegria pela reunião da família, e tristeza pelo “sofrimento” que tínhamos ouvido no sermão do Padre – até o auspicioso milagre da ressurreição.
Chegava a segunda-feira. Primeiro dia da Semana Santa. Segunda-feira “Santa”. O dia começava com poucos goles de café preto, amargo e, quando era possível, uns poucos punhados de farinha seca ou algum naco de beiju grosso. Era a primeira e única refeição daquele dia – até as 18 horas.
Era o jejum. Abstinência de comida. Não se comia nada doce que pudesse representar contradição às amarguras sofridas e enfrentadas dignamente por Jesus Cristo. Todos faziam por absoluta “Fé”!
Segunda-feira, terça-feira e quarta-feira eram dias de trabalho normal. Guardava-se (no sentido de não trabalhar) apenas a quinta-feira Santa e a Sexta-feira da Paixão.
Não havia motivo que permitisse o banho. Banho, só à noite, em casa e com cuia. Antes de “quebrar o jejum” daquele dia. A pouca água e a pouca comida tinham que servir a todos. Era a nossa penitência – na casa de uma católica fervorosa que respeitava os ditames religiosos e determinações cristãs.
Segunda-feira Santa; Terça-feira Santa; Quarta-feira Santa; Quinta-feira Santa; Sexta-feira Santa da Paixão; Sábado de Aleluia; Domingo da Ressurreição. Todos os dias eram considerados dias santos, e de guarda. Guardava-se a Fé.
Não se comia nada doce. Nenhum dia da semana. E, nós as crianças, sabíamos aonde Vovó guardava os nacos de rapadura. Uma verdadeira tentação, vencida pela Fé e pela obediência total.
Pedaços de rapadura – impróprios na Semana Santa
Na casa construída de estuque e sem reboco nas paredes, toda e qualquer imagem ou foto de santo ficavam voltados para a parede, enfeitada com folhas de palhas da carnaubeira “benzida” na Missa do Domingo de Ramos e fitas roxas. E quem passasse pela parede onde ficava a imagem de Jesus Cristo, se voltava para ela e fazia o sinal da cruz.
Esse era o ritmo da Semana Santa, iniciada na segunda-feira e terminada no domingo da Páscoa. E tudo se encerrava à mesa, durante o almoço, quando se fazia uma breve oração de agradecimento e pela vida.
De tarde, íamos à rapadura!
Hoje, inexplicavelmente, tudo acontece de forma diferente. Não mudaram os dias nem os motivos. Nós que mudamos – e não sei explicar se para melhor.