Severino Cordeiro de Souza – Biu de Crisanto (1929-2000)
Viveu e morreu em São José do Egito, Pernambuco, terra de poetas e cantadores. Contemporâneo e conterrâneo de Rogaciano Leite, Louro do Pajeú, Cancão, Antônio Marinho, Dimas e Otacílio Batista, e Jó Patriota. A rua onde viveu chama-se BECO DO POETA. Chamado também o “poeta do beco”. Cedo perdeu tudo, inclusive as duas pernas. Morava num pequeno quarto que dava frente para o sol, para a seca e o sertão da Borborema.
* * *
NA BORBOREMA
O Sol desponta ruivo cor de gema,
Iluminando o pico majestoso,
Do gigantesco dorso sinuoso
Da tão acidentada Borborema.
No sopé da montanha geme a ema,
E embaixo o terreno pedregoso,
Ouve-se o canto ingênuo e harmonioso
Da inocente pernalta, a seriema.
Chove, troveja, e o vento forte agita,
A flora se sacode, a fauna grita,
Um raio irado desce e a penha abre.
Agora é tarde, o Sol rubro descamba,
E rodopiando como roda bamba
Apaga a luz detrás da Serra-Jabre.
* * *
SAUDADE SERTANEJA
A saudade que mais maltrata a gente,
Quando a gente se acha em terra alheia,
É ouvir um trovão para o nascente
Numa tarde de março, às quatro e meia.
A zoada do rio, a orla da corrente
Fazer lindos castelos de areia;
Uma nuvem cobrindo o sol poente
E uma serra pra cá da lua cheia.
Um vaqueiro aboiando sem maldade,
Com saudade do gado, e com saudade,
O gado urrando ao eco do vaqueiro;
O cantar estridente da seriema
E o cachimbo da velha Borborema
Nas manhãs invernosas de janeiro.
* * *
NO SERTÃO ANTIGO
Um moleque no corte assobiando,
Um cavalo pastando na ladeira,
Uma briga de bois na bagaceira,
E um bueiro malfeito “cachimbando”.
Um novilho pé-duro ruminando
Na sombra do oitão da bolandeira,
Um telhado coberto de poeira,
E um rebanho de ovelhas descansando.
Dois bois mansos crioulos atrelados,
Parecidos em tudo, emparelhados,
Vão puxando a almanjarra sem preguiça.
Enquanto várias campesinas belas
Aparecem cantando nas janelas
Duma casa de alpendre à tacaniça.
* * *
DÚVIDA
Nasci! De onde vim é que não sei,
Enfim também não sei para que vim,
Se vim para voltar para que fiquei
Neste intervalo de incerteza assim?
Não foi do pó fecundo que brotei,
Não sei quem tal missão me impôs.
O acaso não foi, já estudei…
Desta incumbência desconheço o fim.
Sou a metamorfose das moneras
Desagregadas nas primeiras eras,
Reunidas hoje nesta luta infinda.
Sou a passagem irreal da forma
Submetida aos desígnios da norma,
Do meu princípio não sei nada ainda.
* * *
PRESSÁGIO
No pé daquele outeiro fumarento
Onde uma ave horripilante ulula
Pressagiando um acontecimento,
Uma jovem “perdida” se estrangula.
Langues sanguíneos tingem o firmamento,
E um nevoeiro acinzentado ondula.
Por um lado do morro já cinzento
0 verde-oliva da ramagem azula.
Uma mulher pejada à fonte desce,
Subitamente o corpo reconhece
Cheia de dó a causa entrega ao bom Jesus.
E diz pedindo a Deus: Ah um aborto!
Se for pra ser sem sorte nasça morto
Este menino que vou dar à luz.
* * *
Um folheto da autoria de Crispiniano Neto
RUI BARBOSA
Quero contar a história
Verdadeira e gloriosa
De um diplomata de peso
De carreira luminosa;
Um crânio cheio de graça,
O nosso gênio da raça,
O baiano Rui Barbosa.
Rui foi um líder político,
Deputado e senador,
Ministro por duas vezes,
Foi filólogo e escritor,
Tradutor e jornalista
Um consagrado jurista
E um gênio como orador!
Porém existe um detalhe
Nas muitas aptidões
Deste crânio brasileiro.
Que deixou tantas lições:
É seu lado DIPLOMATA,
Onde ele compôs a nata
Do concerto das nações!
Foi aí que Rui Barbosa
Consagrou-se de verdade,
Tornou-se a “Águia de Haia”
Com tal legitimidade
Que armado de mente e lábios
Tornou-se um dos “Sete Sábios”
Maiores da humanidade.
Seu tipo físico era frágil:
Quase anão na estatura.
Um metro e cinquenta e oito,
Setenta e dois de cintura.
Corpo encurvado e franzino,
Fisicamente um menino
Mas um titã na cultura!
Só quarenta e oito quilos
De peso e de sapiência;
A fragilidade física
Escondendo a inteligência…
Mas provou aos seus carrascos
Que “é nos menores frascos
Que mora a melhor essência”!
Rui Barbosa de Oliveira,
De Salvador, bom baiano.
Nasceu em mil e oitocentos
E quarenta e nove, o ano;
Foi a cinco de novembro
Que a luz viu o maior membro
Do saber brasiliano.
Seu pai, Doutor João José,
Viu no anão um titã,
Ensinou-lhe amar os livros,
Do saber tornou-lhe um fã.
Maria Adélia gerou-lhe
E com carinho ensinou-lhe
Amor e moral cristã.
Com a mãe também aprendeu
Amar os descamisados
Aos que a vida excluiu,
Aos pobres e explorados,
Ao humilhado e ao cativo…
Por isso tornou-se ativo
Defensor dos humilhados.
Com cinco anos de idade
Rui na escola ingressou;
Seu mestre Antônio Gentil
Muito espantado exclamou:
Meu Brasil, eu lhe apresento
O mais incrível talento
Que a Bahia já criou!
Aprendeu em quinze dias
Distinguir as orações
E dos verbos regulares
Fazer as conjugações,
Juntar letras, soletrar,
E com um ano a destrinchar
As mais difíceis lições.
Aos onze anos de idade
Já no Ginásio Baiano,
Professor Abílio César
Disse a seu pai: Não me engano.
Tudo que eu sei, Rui já sabe.
Portanto, João, já lhe cabe
Colocar Rui noutro plano.
Foi quando Rui recebeu
Sua maior honraria,
Uma Medalha de Ouro,
Do arcebispo da Bahia…
E entre milhões de imagens
De glórias e de homenagens
Desta, nunca esqueceria.
No ano sessenta e quatro
Conclui o ginasial.
Só tinha quatorze anos
Não tinha idade ideal
Para a faculdade e então
Foi estudar Alemão
Até o prazo normal.
Ao fazer dezesseis anos,
Já tendo idade e conceito
Foi para Olinda cursar
Faculdade de Direito,
Provando o fato verídico
Que para o mundo jurídico
Era o cérebro mais perfeito.
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Porém em 68
Contraiu um grande mal
Adoeceu gravemente
De um “incômodo cerebral”
Deu um tempo em quase tudo
Paralisou o estudo
Até voltar ao normal
E enquanto ficou em casa
Por um bom tempo abrigou
O poeta Castro Alves
Que Eugênia Câmara largou;
Castro, de Rui era um mano,
Pois no Ginásio Baiano
Na mesma turma estudou.
Rui fica bom e de novo
Sua faculdade enfrenta,
Se transfere pra São Paulo,
Curso que mais fama ostenta;
Ali virou bacharel.
Ganhou diploma e anel
Já no ano de 70.
Doutor, voltou à Bahia,
Seu solo amado e natal.
De novo sofreu as dores
Do “incômodo cerebral”
Mas foi logo advogar
Passando rápido a provar
Ser grande profissional.
Nesse tempo Rui Barbosa,
Mesmo sem ganhar fortunas
Por advogar pra os pobres
Já brilhava nas tribunas,
E os embates sociais
Travava pelos jornais
Com artigos e colunas.
No Diário da Bahia
Escrevia a pura prosa.
Neste tempo, o coração
Do genial Rui Barbosa
Por Brasília, jovem bela,
Caiu na triste esparrela…
A primeira crise amorosa.
Mas a dor-de-cotovelo
Ele logo compensou.
Discursos e conferências
Onde fazia, era show.
Pela força da Oratória
Em pouco alcançou a glória,
Seu nome se consagrou.
Casou-se em 76
Com uma bela baiana
Com quem construiu família:
Maria Augusta Viana
Bandeira da sua vida,
Amada e deusa querida,
Fantástica figura humana.
Augusta e Rui produziram
Uma família garbosa:
Que tinha nos nomes o
Sobrenome “Ruy Barbosa”.
Cinco filhos exemplares
Diplomatas, militares
E um político bom de prosa!
Rui ergueu-se em seu talento
Para enfrentar a ganância.
A ditadura e a maldade
Ele enfrentou com tal ânsia
Que esqueceu banca e saúde
Para abraçar com virtude
A causa e a militância!
No ano 77
De muita seca e horror
Rui se elegeu deputado
Erguendo um novo valor.
Pela grandeza exibida
Foi escolhido em seguida
Pra ser nosso senador.
Nabuco disse que Rui
Fez a República garbosa;
Benjamim lhe atribuiu
Revolução luminosa.
Patrocínio, disse então:
“Deus acendeu um vulcão
Na cabeça de Barbosa”.
E veio a Abolição
Da escravidão malvada;
Vimos três anos depois
A República proclamada,
Cujo primeiro decreto
Teve o talento completo
Da sua mão consagrada!
Fez a Constituição
Da República brasileira;
Poucos retoques fizeram
Sobre a redação primeira
Seu texto estava perfeito
Na política e no Direito,
Uma obra verdadeira.
E ao nascer a República,
Pelo seu saber notório
Foi primeiro vice chefe
Do Governo Provisório.
Brilhante, firme, empolgado
O Brasil foi transformado
Em seu gigante auditório!
Rui Barbosa e Deodoro
Neste governo de início
Separaram Estado e Igreja
Evitaram o precipício
Com o tumulto controlado
Acabaram deputado
E Senado vitalício.
Rui, Ministro da Fazenda,
Pegou um cofre falido
Pela provisoriedade
Do governo instituído
Não conseguia dinheiro…
Nenhum país estrangeiro
Deu-lhe o empréstimo pedido
Emitiu papel-moeda
Sem lastro em ouro na mão.
Mas desviaram o dinheiro
Do foco da produção
Que Rui Barbosa queria.
Por isso a Economia
Desandou na inflação.
Se afastou do Ministério
Mas inda fez uma ação.
Mandou queimar os papéis
Dos tempos da escravidão
Para evitar que ex-senhores
Ganhassem grandes valores
Pedindo indenização!
Logo veio Floriano
Com um chicote na mão.
Então as coisas mudaram,
Começou a repressão
E a liberdade sonhada
E democracia esperada
Fora para o rés do chão.
As revoltas começaram.
Rui contra o autoritarismo
Buscando o entendimento
Defendendo o legalismo
E Floriano, no berro,
Virou “Marechal de Ferro”
Na mão do militarismo!
Rui Barbosa ergueu a voz
Contra a intensa repressão.
Aos revoltosos da Armada,
Aos generais na prisão,
Também aos federalistas
Que queriam que as conquistas
Não sucumbissem ao canhão!
Pra os que estavam desterrados
Nas brenhas do Cucuí
Rui entrou com Habeas Corpus
Para tirá-los dali…
Dizia Barbosa: eu sei
Que um Brasil sem ter a lei
Não é Brasil é “brasí”!
Chegou a ser exilado.
Forçado deixou a terra
Que amou e foi pra o Chile,
Argentina e Inglaterra
E escreveu famosas cartas
Fazendo acusações fartas
Contra ditadura e guerra.
Combateu a intervenção
Militar contra Canudos
Provou que aqueles beatos
Pobres, sofridos barbudos
Não queriam monarquia
Queriam cidadania
Comida, trabalho e estudos!
Do nosso Código Civil
Ele fez a revisão
Mil e oitocentos artigos
Em tudo a observação
Corrigindo o Português
E a redação das leis
Pra não ter nenhum senão.
Mil novecentos e cinco
Resolveu ser candidato
Contra Hermes da Fonseca.
Seu discurso era um retrato
De um Brasil progressista
Contra um Brasil feudalista
De atraso e de maltrato.
Em 07 ele foi a Haia
Conferência Mundial
Defendeu a igualdade
Na Lei internacional
Nada de fraco e de forte
Rico e pobre, Sul e Norte
Com direito desigual.
Derrubou todas as teses
Da força da prepotência,
De Inglaterra, França, States,
De tudo que foi potência
Derrubou a força insana
De canhão, de bomba e grana
Com a força da inteligência.
Seu nome se destacou.
Foi primeiro sem segundo.
Entre Choate e Nelidoff,
O Barão Marshall profundo,
Meye, Tornielli e Leon
Foi ele quem deu o tom
Dos Sete Sábios do Mundo!
Tornou-se a “Águia de Haia”,
Do mundo recebeu louvo,
Quebrou a “lei do mais forte”
Criando um Direito novo.
E quando voltou pra o Rio
Foi só descer do navio
E cair nos braços do povo!
Da Academia de Letras
Foi dos membros varonis
Fundador da ABL,
Seu presidente feliz;
Provou seu grande valor
Ao se tornar sucessor
De Machado de Assis!
As suas obras são tantas,
De temas tão variados
Que fica muito difícil
Dizer em versos rimados
Os títulos que publicou
E a obra que legou
Nos seus geniais traçados.
“Contra o Militarismo”,
“Visita à Terra Natal”,
A grande “Oração aos Moços”,
“Acre Setentrional”,
Discursos, artigos, cartas,
Foi das produções mais fartas
Da Cultura nacional!!!
Português, Rui conhecia
Mais que os mestres portugueses
Fez um discurso em francês
Para saudar os franceses.
E diz até um ditado
Que quando foi exilado
Ensinou inglês a ingleses!
Contra Hermes da Fonseca
Mil novecentos e dez
Candidatou-se gritando
Contra atitudes cruéis
Na Campanha Civilista
Contrária ao militarista
Regime dos coronéis.
Ainda participou
De mais de uma eleição
Levando a campanha às ruas
Dando início na nação
Às campanhas democráticas
Chamando em frases enfáticas
O próprio povo à ação!
Em 18 recebeu
Uma agradável surpresa
Grande Oficial de Honra
De uma legião francesa
Mostrando um prestígio grande
E aí seu nome se expande
Pelo mundo com certeza!
Continuou escrevendo
Com sua verve eloquente,
No Senado fez trincheira
Mostrando ser combatente
Pela causa que lhe move…
Foi, de novo em dezenove,
Candidato a presidente!
Mas no ano 21
Demonstrou grande canseira
Renunciou ao mandato
De senador de primeira
Declarando estar cansado
E “o coração enjoado
Da política brasileira”!
Rejeitou ser chefe de
Grande Congresso em Paris.
De, na Liga das Nações,
Representar o País.
E no Tribunal de Haia
Como farol e atalaia,
Ser delegado e juiz!
Por tudo quanto ele fez,
Pela grande sapiência,
Por seu saber filosófico,
Saber jurídico e Ciência
Política, História e Gramática,
Seu nome virou, na prática,
Sinônimo de inteligência!
Na TV e no cinema
Foi personagem famoso
Foi retratado no filme
“Vendaval maravilhoso”
Brilhou em “Mad Maria”,
Minissérie que trazia
Um Brasil conflituoso.
E no “Brasília 18
Por cento”, filme recente
Rui aparece também
Trazendo exemplos pra gente
E há vinte anos passados
Na nota de dez cruzados
Seu rosto surge de frente.
Seu nome é nome de ruas,
De praça e Grupo Escolar,
De colégios e farmácias,
De cidade potiguar,
É nome de quase tudo
Só não vi em meu estudo
Seu nome em nome de bar.
A “Casa de Rui Barbosa”
Preserva sua memória;
“Instituto Rui Barbosa”
É relicário da História
Deste gênio brasileiro.
Baiano bravo, altaneiro
Que encheu o Brasil de glória!
Na grande guerra de ideias,
Na lei da fala macia,
Na batalha de argumentos,
Atuou com maestria…
Sem ser profissional
Foi “Pai intelectual
Da nossa diplomacia!!!”
Os princípios defendidos,
Suas argumentações,
As leis por ele propostas,
Seus motivos e razões
Pra os países serem iguais
São as colunas centrais
Do Concerto das Nações.
Se um dia Brasil reler
Suas imensas verdades
Se pautando pela ética
Respeitando as liberdades
Quando todos formos “Rui”
O nosso Brasil não rui
Nem triunfam nulidades!