Lourival Batista Patriota, o Louro do Pajeú (São José do Egito, Jan/1915 – Dez/1992)
Lourival Batista
Sua vida inda está boa
A minha é que está ruim
A sua está no princípio
A minha está bem no fim
Estou perto de estar longe
De quem está perto de mim.
*
Nem tudo que é triste chora
Nem tudo que é alegre canta
Nem toda comida é janta
Nem todo velho é escora
Nem toda moça namora
Nem todo amor tem paixão
Nem toda prática é sermão
Nem tudo que amarga é lima
Nem todo poeta rima
Nem toda terra é sertão.
* * *
Elízio Félix da Costa (Canhotinho)
Eu canto pra todo mundo
Com minha vocação santa
Cantando também se chora
Chorando também se canta
A minha mágoa secreta
Confessar não adianta.
* * *
Aldo Neves
A lua no céu vagueia
Como um barco que flutua
Inspirando o seresteiro
Jogando os raios na rua
Tudo que o poeta é
Só deve a Deus e a lua.
Pra lua sair bonita
Deus é quem abre a janela
E o quadro azul do espaço
A natureza pincela
Num sei quem é mais bonita
Se a noite ou se é ela.
* * *
Vinícius Gregório
Solidão desaparece
Quando alguém se faz presente,
A tristeza fica ausente
Quando alegria aparece,
A paz reina, vive e cresce
Quando morre a triste guerra.
No mundo tudo se encerra…
Mentira mata a verdade,
Eu mato a dor da saudade
Voltando pra minha terra!
* * *
Dimas Batista
Na vida material,
Cumpriu sagrado destino
O Filho do Deus divino
Nos deu glória espiritual;
Deu o bem, tirou o mal,
Livrando-nos da má sorte;
Padeceu suplício forte
Como o maior dos heróis,
Morreu dando a vida a nós.
A vida venceu a morte.
* * *
João Lourenço
Eu já passei tanta coisa
Que na vida nem pensava
Pra minha felicidade
A mulher que eu procurava
Deus teve pena de mim
Mostrou aonde ela estava.
* * *
A SOGRA ENGANANDO O DIABO
Um folheto de Leandro Gomes de Barros
Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.
Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.
Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!
Disse o demo: – Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: – Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: – Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!
Ela indagou: – Quem és tu?
Respondeu: – Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: – Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!
Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: – Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.
– Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: – Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: – Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
– Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!
Disse a velha: – Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: – Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser – faça!
Disse a velha: – Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: – Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: – Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.
A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.
Gritou o cão no terreiro:
– Aqui não posso passar!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
– Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!
Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
– Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
– Aqui não podes entrar!
– Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
– Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!
E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos
E com traiçoeiros laços
As sogras auxiliando…
Deste fato as testemunhas
Já disse todas quais são.
Agora, quer o senhor
Saber se é exato ou não?
Invoque no espiritismo
Ou pergunte ao caiporismo,
Este que sempre nos logra,
Se sua origem não veio
Do diabo imundo e feio
E do quengo duma sogra!
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