SE QUERES QUE EU SONHE
Gonçalves Dias
Tu queres que eu sonhe ! – que ao menos dormido
Conheça alegrias, desfrute prazeres,
Que nunca provei.
Que ao menos nas asas de um sonho mentido
Perdido – arroubado, também diga: amei !
Tu queres que eu sonhe ! – não sabes que a vida
Me corre penosa, – que amarga por vezes
A própria ilusão !
No pálido riso duma alma afligida,
Qu’ invida – ser leda, que dores não vão !
Se o pranto, que os olhos cansados inflama,
Nos olhos de estranhos simpático brilha,
Mais agro penar
Do triste o sorriso nos peitos derrama,
Se a chama – revela, que almeja ocultar.
Sonhando, percebo na mente agitada
Um mar sem limites, areias fundidas
Aos raios do sol;
E um marco não vejo perdido na estrada
Cansada, – não vejo longínquo farol !
E queres qu’ eu sonhe ! – Nas águas revoltas
O nauta, ludíbrio d’ horrenda procela,
Se pode dormir,
As vagas cruzadas, em sustos envoltas,
Às soltas – escuta raivosas bramir.
Talvez porém sonha que as ondas mendaces
O levam domadas à terra querida,
Qu’ entrou em seus lares ! ...
E triste desperta, que os ventos fugaces
Nas faces – a espuma lhe atiram dos mares.
Se queres que eu sonhe, – que alguma alegria
Dormindo conheça, – que frua prazeres
Dum plácido amor;
Vem tu como estrela da noite sombria,
Que enfia – seus raios das selvas no horror,
Brilhar nos meus sonhos.— Então, sossegado,
Cismando prazeres, que n’ alma s’ entranham,
Dum riso dos teus
Coberto o meu rosto, — fugira o meu fado
Quebrado — aos encantos de um anjo dos céus.
Vem junto ao meu leito, quando eu for dormido,
Que eu sinta os perfumes que exalas passando;
Não sofro — direi:
E ao menos nas asas de um sonho mentido,
Perdido — arroubado, talvez diga: — amei ! —