SUPERNUS AMOR
(Autor desconhecido)
Ser Petrônio, imperar dentro do Palatino
Conversar, dialogar com Sêneca e Lucano;
A César confundir, detestar Tigelino;
Afrontar o poder do Exército Romano.
Dos elegantes, ser o árbitro divino;
Sentir pela beleza, um desdém soberano;
Por Eunice descrer, o Zeus Capitolino,
Crisóstomo odiar, sobranceiro e tirano…
Tudo isso não vale, a atroz paixão sincera,
Desse funesto amor, a Lígia idolatrada,
Que Vinícius pagão cristãmente venera…
Ah! tudo isso não vale a trágica jornada,
em que o belo augustal todo se dilacera,
Procurando Calina em Roma incendiada.
Gaio Petrônio Árbitro (Petronius – Roma, 66 d.C.) foi um cortesão romano, da época do Imperador Nero, escritor, mestre na prosa da literatura latina, e satirista notável. Deixou um retrato sarcástico da sociedade romana do século I, da era cristã, na obra “SATÍRICON”, que se mantém atual, como crítica social e fonte documental.
Escreveu “SATIRICON”, com a clara intenção de ridicularizar o Imperador Nero e sua Corte.
Provavelmente, era filho de Públio Petrônio, cônsul sufecto em 19 e governador da Síria entre 37 42.
De família aristocrática, Petrônio foi descrito pelos historiadores como pessoa requintada, que amava os prazeres da mesa e da vida em geral, o que não o impediu de exercer, com eficiência e retidão, os cargos de governador da Bitínia, atual Turquia, e depois o de cônsul.
Conselheiro de Nero, no ano 63, aproximadamente, Petrônio foi por ele nomeado “Arbitere Legantiae” (árbitro da elegância).
A obra “SATÍRICON” foi escrita no período da decadência literária de Roma, que coincide com o seu declínio econômico, político e social. É um romance “costumbrista” em que se entremeiam prosa e verso, sendo narrado por Encolpo, seu personagem principal.
Em “Satíricon”, Petrônio faz uma paródia dos romances de amor gregos, substituindo, no entanto, divindades e heróis convencionais por gente da vida quotidiana depravada: homossexuais, ninfomaníacas, alcoviteiras, criados, estalajadeiros, escravos, poetas, políticos, aristocratas, frequentadores de bordeis, novos-ricos e parasitas de toda a ordem; todos povoam esse livro silencioso, o mais silencioso de toda a literatura latina.
Em linguagem, ora culta, ora cheia de vocábulos populares, de idiotismo e do coloquial da época, Petrônio denuncia, em tom risonho e mordaz, a desigualdade social e a corrupção provocada pela riqueza e a mesquinhez das classes dominantes, entregues a banquetes e orgias. “Enquanto a gente pobre jejua, vemos numa festa contínua as bocas privilegiadas”.
Como todo clássico universal, o texto de Petrônio descreve cenas que podem ser identificadas ainda no comportamento humano de nossos dias.
É também um importante testemunho da vida na antiga Roma. Porém, dizem os historiadores que a obra não chegou até a atualidade com o conteúdo completo. Ao longo dos anos, a partir da análise do texto restante, foi possível deduzir algumas passagens perdidas. Além disso, alguns fragmentos do “SATÍRICON” são encontrados em obras de autores contemporâneos, como Mauro Sérvio Honorato e Sidônio Apolinário.
As partes remanescentes do texto narram as desventuras do narrador Encolpo, em meio às viagens que realiza pela Itália, junto a seu amigo e ex-amante Ascilto e seu escravo e amante, um menino de 16 anos de nome Giton. Ao longo da história. Encolpo enfrenta dificuldades, em manter Gíton fiel à relação, pois este é constantemente seduzido por outros personagens.
A maioria dos personagens do “SATÍRICON” são desprovidos de pudor. Nota-se a completa amoralidade dos cidadãos, uma vez que o cristianismo ainda não tinha “purificado” a todos. Não existia repressão, tampouco vergonha com relação à sexualidade.
A história narrada por Encolpo cita as práticas orgíacas, heterossexuais e homossexuais das sociedades que este e seus dois companheiros de viagem vão encontrando. Há um total desprendimento moral nas pessoas, já que a visão de mundo cristão que “castraria” o sexo como elemento essencial do ser humano, ainda não ameaçava o “estilo de vida” do mundo pagão. Desse modo, não existiam pecados capitais, para podar as vontades de homens e mulheres, jovens ou velhos.
O romance foi adaptado para o cinema, em 1969 (SATÍRICON DE FELLINI – 1969).
A obra deu origem à novela moderna e foi o primeiro romance realista da literatura universal.
“SATÍRICON” é o sensível sismógrafo dos vícios e depravações de um momento histórico.
Petrônio foi condenado ao suicídio, acusado de participar da conspiração do ano de 65, contra o imperador Nero.
Passou suas últimas horas numa festa em Cumas. Nessa ocasião, catalogou os vícios de Nero e enviou-lhe a lista, antes de cortar os pulsos, no ano de 66 D.C.
Petrônio foi retratado pelo escritor Caio Tácito, nos Anais (XVI, 18-19), como um cortesão que se entregava, ora aos prazeres, ora aos negócios públicos, costumando consagrar o dia ao sono, e repartir a noite entre os deveres, a mesa e as amantes. Era ídolo de uma corte libertina, e foi nela, durante muito tempo, o árbitro do bom gosto e da elegância. Mas, finalmente, foi superado por Tigelino, seu rival, e antecipou-se à crueldade de Nero, suicidando-se. Epicurista sincero, vivia para o prazer. Mesmo nos seus últimos momentos, olhava sorrindo sua vida se escoando pelo sangue das veias abertas. E, de vez em quando, pedia que as estancassem, para conversar mais alguns minutos com os amigos, acerca de poesias festivas e versos levianos.
Entreteve-se, nos momentos finais, em traçar um relato sucinto dos excessos de Nero: pintou-o nos braços de seus amantes e amadas, ultrajando, a um só tempo, o pudor e a natureza.
Depois de encaminhar a Nero esse testamento acusador, selado com seu anel consular, morreu tranquilamente, como se estivesse dormindo.
SATÍRICON, a obra de Petrônio, é de extraordinária atualidade.