SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO
Raimundo Floriano
São Sebastião
As comemorações religiosas no final de 1948, em Balsas, prolongaram-se pelo mês de janeiro de 1949, último ano em que assisti ali ao Festejo de São Sebastião, antes de sair para estudar fora. Todo ano era assim.
No Natal, à meia-noite de 24 para 25 de dezembro, assistia-se à Missa do Galo e entoava-se a canção Noite Feliz, celebrando o nascimento de Jesus. No dia seguinte, começava o Reis, no Sudeste e no Centro-Oeste conhecido como Folia de Reis, que ia de 25 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. Consistia na peregrinação noturna dos brincantes de casa em casa, cantando temas sacros, folclóricos e profanos, relembrando a jornada dos Reis Magos na trilha da Estrela Guia até chegarem ao presépio – estábulo – onde nascera o Menino Deus.
No dia 7, a Rua do Frito – atual 11 de Julho –, onde eu morava, a Praça de São Sebastião e ruas adjacentes eram impregnadas por um delicioso e inesquecível cheiro de mato, produzido pelo trabalho dos presos de bom comportamento, escoltados pelo Soldado Peteca, roçando a vegetação que crescera durante todo o ano anterior – malva, fedegoso, tiririca, carrapicho, mata-pasto, malícia, urtiga, ciúme, melão-de-são-caetano –, alcançando quase metro e meio de altura. Deixavam eles as vias e a praça completamente limpas e prontas para o que ansiosa e fervorosamente esperávamos: o Festejo de São Sebastião, que ia de 11 a 20 de janeiro. Depois disso, iniciavam-se os ensaios das músicas carnavalescas – marchinhas, sambas e frevos – recém-lançados, para que os foliões as cantassem nos três dias de Carnaval, numa animação que só acabava mesmo na Quarta-feira de Cinzas, com a chegada da Quaresma. No ano de 1949, foram estes alguns dos sucessos mais cantados: Chiquita Bacana, Jacarepaguá, Maior É Deus, Pedreiro Valdemar e Zé Carioca no Frevo, este apenas instrumental.
A igreja de São Sebastião fora construída pelo comerciante e industrial Hygino Pedro de Farias, o Seu Pequeno, devoto do Santo, e o Festejo tinha em sua família e pessoas das vizinhanças os principais organizadores, administradores e obreiros. Foi nela que as catequistas Alice Farias, Tonica Moura, Jacy Gomes e Regina Miranda me transmitiram os primeiros rudimentos do ensino religioso.
Deus me agraciou com fabulosa memória para até hoje guardar os nomes – como desconheço os sobrenomes da maioria, aqui não os relaciono – e as fisionomias dos quase 200 coleguinhas daquele hoje esquecido e abandonado recanto sebastianino de minha infância, companheiros de catecismo ou de brincadeiras.
Num tremendo esforço de reportagem, e com a perícia do artista plástico Juarez Leite, consegui reproduzir a Praça de São Sebastião no ano de 1949, como abaixo se vê, roçada, quando a cidade não conhecia asfalto nem calçamento.
Praça de São Sebastião - Vista aérea
Havia duas datas marcantes. O dia 10, véspera do início do Festejo, quando começava o furdunço, por ser o aniversário do adolescente Zé Farias, filho de Seu Pequeno, pau-pra-toda-obra, que fazia um tudo de muito, batendo o sino, soltando foguetes, carregando peso, quebrando qualquer galho e levando carão do pai, que só o chamava, quando nervoso, de “seu corno” – embora fosse ele um burro de carga, nos serviços domésticos, nas oficinas e o único mecânico da usina. No futuro, viria o Zé a ser o primeiro eletricista balsense e o projecionista do primeiro cinema da cidade. No dia 20, o último do Festejo, era o aniversário de Washington Tourinho, filho de Seu Isidoro e Dona Febrônia, outra das nossas afamadas quituteiras, que traziam muitas joias para o leilão.
No primeiro e no último dia, a cidade era acordada com a Alvorada, constando de repicar do sino, queima de foguetes e música a cargo de Martinho Mendes e Seu Conjunto – Martinho no sax, Barroso na clarineta, Toinho Farias na bateria, Enoc no banjo, e pandeiristas eventuais –, quando não faltavam o dobrado Padre Cícero, de autoria do Martinho, valsas, boleros, forrós e sucessos carnavalescos. Diariamente, ao meio-dia, era tocada a Retreta, com o mesmo esquema.
Nas manhãs do dia 11 e do dia 20, era celebrada Missa à qual comparecia todo o povo da cidade. Desencadeando-se a Novena, todas as noites, quando era rezado o Terço. Tanto na Missa quanto na Novena, era cantado o Hino de São Sebastião, de autoria do maranhense Eleutério Rezende, cuja letra conta sua história, aqui reproduzida, com a partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília, seguindo canto que me foi entoado pela Professora Maria da Consolação de Oliveira Andrade, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro:
Depois do Terço, realizavam-se a venda de bebidas e comidas típicas na barraca e o leilão, com joias – capões cheios, leitoas assadas, bolos, doces, artesanatos – trazidas pelas devotas do Santo, dentre elas Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, Dona Nelsa Farias, Dona Delfina, mulher de Seu Pequeno, com o Conjunto do Martinho animando a função. Naquele tempo, ainda não existia por lá o serviço de som.
Além da barraca oficial, muitas pessoas traziam suas banquinhas, onde vendiam cachaça e outras bebidas quentes, café, bolos de arroz e de puba, orelha-de-macaco, panelada, maria-isabel e outras guloseimas. Não podiam faltar Luiz Piauí, com sua bandeja de puxas e rebuçados, e Manoel do Pempém, com sua tábua de pirulitos. Nas quitandas do Enoc Miranda, de Dona Brígida e de Dona Domitila, era grande o consumo de rapaduras recém-saídas do engenho, alfenins, batidas, tijolos de mamão verde e casca de laranja, pamonhas, melancias e outras frutas da época.
No último dia, a Procissão saía pelas principais ruas da cidade, com São Sebastião à frente, no andor, e duas fileiras, homens de um lado e mulheres do outro.
Nós, a criançada, divertíamo-nos a valer, principalmente fazendo judiação com os romeiros que vinham de fora para a festa, botando-lhes rabo de carrapicho, ou praticando muitas travessuras. Uma delas era o biloto, constituído de bolota de cera de abelha, do tamanho de bola de pingue-pongue, fixada na ponta dum cordão de 50 centímetros, para darmos chapuletadas na cabeça dos matutos, sem que eles percebessem, pois éramos rápidos no gatilho para esconder o artefato.
No início dos Anos 1950, Seu Pequeno faleceu, mais ou menos quando foi criada a Prelazia de Balsas, com Missionários Combonianos vindos da Itália. Esses não deram continuidade ao Festejo de São Sebastião nem cuidaram da conservação de sua igreja que, aos poucos, pela ação do tempo, foi-se desintegrando, até ruir por completo.
Muitos anos depois, já na era do asfalto, foi construído outro templo para São Sebastião, no Bairro Cajueiro, onde é festejado nos moldes de antigamente, com o mesmo fervor e devoção:
Capela do Cajueiro
São Sebastião, imagem entronizada
na Capela do Cajueiro
Embora a tradição do Festejo permaneça, falta o item que encantava os meninos de meu tempo e até hoje permanece em nossas mentes como das melhores recordações da infância:
O cheiro de mato!
Há muito tempo, eu desejava efetuar a gravação dos Hinos de Santo Antônio, de Bom Jesus da Lapa e de São Sebastião, para que não se perdessem na memória do povo balsense, tão curta nos tempos atuais, como venho observando em minhas pesquisas.
Para o Hino de São Sebastião, contei com a prestimosa colaboração da amiga Socorro Vieira, minha Assessora Cultural em Balsas, que obteve o registro do canto simples com a Professora Maria da Consolação, possibilitando-me a concretização do projeto. A Interpretação ficou a cargo dos cantores Felipe Rodrigues e Mércia Cairis, do Estúdio Verbo Vivo, de Brasília:
Felipe Rodrigues e Mércia Cairis
Complementando esta homenagem a São Sebastião, produzi também, como apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, este vídeo, agora à disposição de vocês: