RIO — A temporada de festas de São João é um marco na economia cultural do país. A título de exemplo, apenas a cidade paraibana de Campina Grande, um dos grandes polos de festejos juninos do Brasil, movimenta cerca de R$ 200 milhões todos os anos. Menos em 2020. A pandemia de coronavírus atingiu em cheio uma tradição que tem como condição sine qua non o contato, a troca de calor, a aglomeração. E causou prejuízos ainda inestimáveis para milhares de profissionais que têm nos meses de junho e julho uma renda essencial para a sobrevivência.
É pensando neles e na valorização do forró enquanto patrimônio imaterial brasileiro que desde o dia 12 é realizado o festival São João na Rede, uma iniciativa conjunta entre o Fórum Nacional Forró de Raiz, a Associação Cultural Balaio Nordeste e a Associação Respeita Januário, sem patrocínios ou grandes marcas engajadas.
Os festejos virtuais no YouTube e Instagram seguem até domingo, e a programação, que pode ser consultada nas redes sociais do evento, vira uma maratona diária nesta semana em que se comemora o Dia de São João (24/6). Além de apresentações musicais à noite, o evento conta ainda com exibição de filmes, documentários, leituras de poesias oficinas e bate-papos abordando esse universo tão brasileiro. Com estrutura limitada e colaborativa, grande parte da programação é gravada, e dividida entre materiais inéditos e históricos.
Foco nos menos conhecidos
Nomes grandes fizeram participações especiais no projeto, como Gilberto Gil (que gravou o vídeo de apresentação do festival), Elba Ramalho, Lucy Alves, Hermeto Pascoal e Moyseis Marques, mas o foco não é neles, e sim em proletários da música, como Mará dos 8 Baixos, Sabiá da Flauta, Severo do Acordeon, Gereba Barreto Banda Menina Bonita, João Sereno, entre tantos outros — foram mais de 200 artistas envolvidos.
100 dias com cultura: artistas e pesquisadores destacam importância do setor durante pandemia
Por isso, foi criado um fundo solidário destinado a profissionais da cadeia produtiva do forró que estão em situação de vulnerabilidade por causa do distanciamento social. A audiência é estimulada a fazer doações através de uma plataforma on-line de arrecadação. Do montante levantado, 80% serão destinados aos artistas e profissionais cadastrados neste fundo, mediante aprovação dos organizadores, que abriram mão de receber qualquer quantia pelo trabalho voluntário. Os demais 20% cobrem custos de produção e infraestrutura do festival.
Pela patrimonialização
Além do lado solidário, o São João na Rede também tem um objetivo declarado de reforçar a tradição do forró de raiz através de seus artistas regionais, e manter acesa a chama dos festejos juninos. Desde 2015, o forró está no processo para ser reconhecido oficialmente como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
— Estamos no processo de pesquisa e produção da documentação etnográfica exigida pelo Iphan. No meio disso tudo, apareceu a pandemia. Teríamos uma pesquisa de campo muito forte nesses meses de junho e julho, que não pôde ser realizada. A expectativa é que haja Sao João de rua no ano que vem, para apresentarmos o dossiê final no fim de 2021 — atualiza o etnomusicólogo Carlos Sandroni, coordenador do processo.