O genial poeta paraibano Orlando Tejo, num lampejo de lucidez quase absoluta, definiu em artigo publicado na Revista A REGIÃO/Recife, 1983 que, “Nós, Os Meninos de Palmares”, crônica que abre um dos mais inspirativos livros de memória do gênero já publicado no Brasil, “que nunca leu em nenhum escritor pátrio, nada mais tocante nem de tanta grandeza, nenhuma página mais lírica e eterna do que a referida crônica.”
No último parágrafo do texto, prossegue o poeta, autor do impagável “Zé Limeira – O Poeta do Absurdo”, na sua apreciação: “Nesse delírio, o autor, na companhia de Romildo Pilica, Adeildo Baé, Antonio Maromba e Fernando Gata, os meninos mais felizes de todo os brasis, voam nas asas da liberdade rumo a Pirangi. Eles vão flutuando na grande tarde ribeirinha e, aconteça o que acontecer, não importa, eles vão a Pirangi. E eles são os únicos meninos do mundo que podem ir a Pirangi amorcegando estrelas vespertinas da ilusão. Lembrem-se: somente eles, os grandes vagabundos pequeninos, vão a Pirangi, unicamente eles, os “guardiões do vento, vigias do barulho das águas, apontadores de estrelas, gáveas ao vento, imagens do cão, arteiros.”
Pegando carona nas palavras do genial menestrel sonhador Tejo, menciono como impagáveis obras-primas, também as crônicas: “O circo de Pimpão”, do palhaço cotó, que transformou o sofrer em alegria; “As ruas e os seus nomes”, proezas de alcunha que não se encontra em lugar nenhum do mundo; “O Caixão da caridade”, paletó de madeira que os meninos se divertiam levando os ‘sem pátria’ para sacudir dentro do buraco do ‘nunca mais’; “Os nomes das pessoas”, proeza só existente em Palmares, do adolescente Luiz Berto; “Vaca braba”, mãe da Vaquinha mijona, que sumiu no mundo nas asas dum copo de vidro cheio de cachaça após a mãe encantar-se e nunca mais voltou a Palmares; “Telles”, O enigmático decifrador, cuja filosofia de vida era comer, cagar e dormir; “A Prisão de São Benedito”, alegoria beneditina que dá título ao livro; “A mulher de Alfredinho”, o corno inconformado que jurou dar um tiro de traque no autor; “A viagem a pé para Brasília”, a ousadia de seis aventureiros que tornaram Palmares mais famosa para os nativos do que o pousar do homem à Lua; “Dr. Sebastião Espírita”, o curandeiro picareta de letras indecifráveis; “A Manobra da carreta”, a aventura de um carreteiro sulista que fez Palmares parar; “Biu do Tacho”, o cachaceiro que chamava o governador, o prefeito e o delegado de ladrão às escondidas; “Luiz Guarda”, o misterioso homem de óculos de lente que matava todos os ladrões sem dó nem remorso; “Veludo do Pife”, o homem que morreu esquecido pelas novas gerações; “Amaro”, o homem da Coreia que vendeu de tudo e findou vendendo pitomba; “Dona Heloísa”, a professora frágil, dócil e delicada, que abriu as fronteiras do conhecimento para o adolescente Berto; “Mané Peito-de-Aço”, o homem que se inspirou em Tarzan, herói americano, e foi parar na Ilha de Itamaracá; “O Doido e o bêbado”, o doido que aproveitou a distração dos policiais, desapegou-se das amarras para não ficar na Tamarineira; “Uma história de corno”, o traído que pagou a viagem da ex esposa com o pé de lã; “Manoel Dionísio”, o homem que dizia que ‘mulher com ele não arenga; se arengar, não ganha; se ganhar, não leva; se levar, é dentro!’ E por último, aquela história tocante, comovente, eterna que, entre todas desse fantástico livro de reminiscência, merece uma ode a parte: “O velho rabeca”, o carnavalesco puro sangue que enxergava na arte do pastoril o sonho de registrar para a posteridade sua verve debochada, escrachada, escatológica, seu modo prazeroso de enxergar a vida e vivê-la eternamente. Encantou-se sem deixar sucessor!
Eis por que “A Prisão de São Benedito e outras histórias” caiu no gosto popular, encanta o mundo e é sucesso absoluto de venda e crítica até hoje.