Toda cidade do interior possui suas figuras folclóricas, cujas lembranças se eternizam na nossa memória. São figuras que nos causavam medo, mas, ao mesmo tempo, nos divertiam.
Em Nova-Cruz (RN), Sabugo era uma dessas figuras. Seu nome era Daniel, porém era mais conhecido por esse apelido, devido à cor da sua pele, meio rajada de sarnas, em cima de um branco desbotado. Nascera com um atraso mental, que o acompanhou por toda a vida.
Sabugo tinha loucura por caminhão. Passava horas sentado, em frente à usina de beneficiamento de algodão, observando o carregamento dos caminhões, que transportavam o produto para outros estados. Ficava fascinado com o barulho dos motores e vivia imitando esse barulho e a buzina, com a sua voz estridente. Já adulto, só andava correndo, girando os braços para frente e para os lados. simulando curvas, como se estivesse segurando a direção de um caminhão. Corria, freava, fazia de conta que ligava a ignição, e assim passava a maior parte do seu tempo, sem fazer mal a ninguém e vivendo num mundo imaginário.
Por brincadeira, certa vez, um mecânico, dono de uma velha sucata, deu-lhe “de presente” uma direção de caminhão, danificada e imprestável, que alguém havia jogado no lixão. Sabugo ficou radiante com o presente e seu gosto por caminhão aumentou mais ainda. Continuou correndo pelas ruas da cidade, agora muito orgulhoso, “dirigindo” seu caminhão imaginário, e imitando, agora com a voz ainda mais forte, a buzina e o barulho do motor.
Na sua debilidade mental, Sabugo se sentia possuidor de um caminhão, como se tivesse alcançado o seu maior ideal. Passou a correr mais ainda pelas ruas da cidade, feliz da vida, segurando a direção velha que ganhara de “presente”. Às vezes, chegava a se enveredar pela estrada afora, até se cansar e adormecer debaixo de alguma árvore frondosa.
Sabugo era conhecido em toda a redondeza e todos o protegiam, exceto os moleques de rua.
Quando ainda nem se falava em “bullyng”, Sabugo já era vítima dessa covardia. O seu apelido o deixava completamente perturbado, quando proferido em tom de deboche, pelos moleques da cidade, que o vaiavam sempre, ao vê-lo correndo pelas ruas, “dirigindo” seu caminhão imaginário.
Certo dia, diante das vaias humilhantes dos moleques, Sabugo teve uma reação inesperada. Cheio de ira, baixou o calção e, com a duas mãos, segurou os órgãos genitais, exibindo-os para o lado dos seus algozes. Essa reação se tornou frequente, sempre que era vaiado. Apesar dessa atitude obscena, que caracteriza crime de atentado ao pudor, Sabugo tinha o atenuante de ser inimputável, perante a lei.
Essa sua reação tornou-se frequente, sempre que os moleques da rua o vaiavam. Por ser portador de debilidade mental, as pessoas da cidade o defendiam e intercediam em seu favor, repreendendo a molecada canalha. Essa situação vinha passando incólume, até ser presenciada por um grupo de religiosas do Colégio de Nova-Cruz, causando um desmaio em uma das freiras, que precisou de atendimento médico. A partir de então, Sabugo foi levado para um hospital psiquiátrico em João Pessoa (PB), onde permaneceu em tratamento, durante vários meses.