ROSA
Cruz e Sousa
Rosa — chamava-se a estrela
Daquelas flóreas paragens;
Era escutá-la e era vê-la
Metida em brancas roupagens
Todas de pregas e tufos,
De laçarotes e rendas,
Ou mesmo ouvir-lhe os arrufos
Ou surpreender-lhe as contendas
Nas lindas tardes radiadas
Por cores de silforamas
E sentir logo, inspiradas
Do amor, as férvidas chamas.
Ela era um beijo fundido
Ao cintilar de uma aurora,
Um sonho eterno espargido
Nos belos sonhos de Flora.
E tinha uns longes sublimes
De grande força lasciva,
A transudar, como uns crimes
Do sangue, da carne altiva.
Contava tudo... mas tanto,
Em turbilhões, em cascata,
Que recordava esse canto
Uma garganta de prata.
E quando os poetas, rapazes,
A viam passar, vibrante,
Mostrando as curvas audazes,
Do corpo todo radiante,
Diziam de entre os primores
De estrofes mais dulçurosas:
— Tu és a gêmea das flores,
Das rosas, perfeitas rosas.
Convulsionado e sem regra
O coração nos palpita;
Andas alegre e se alegra
A gente quando te fita.
Tens umas coisas estranhas
Nas refrações da pureza...
Umas finuras tamanhas...
Uma sutil gentileza...
Ficas rosada se um tico
Alguém te diz, de mais franco...
Mas como fica tão rico,
Tão belo o rubro no branco,
Nesse grácil e tão claro,
Sereno e cândido rosto
Que é mesmo um céu puro e raro
Das alvoradas de agosto.
Depressa cobre-te o pejo
A face nova e adorada,
De sorte que sem desejo
És — Rosa e ficas rosada.
Dos risos colhes a messe
E és doce como o conforto,
És casta como uma prece
Gemida ao lado de um morto.
Para que a dor não te obumbre
A glória de flores junca
Tua vida e, por isso, nunca
Nas mágoas terás vislumbre.
Permita o bom sol que inunda
De luz os bosques — permita
Que sejas sempre fecunda
De gozo e sempre bonita.
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Agora, quando alguém passa
Por onde a estrela morava,
Olhando pela vidraça
Bem junto da qual bordava,
Repara um silêncio triste
Na sala — em crepes envolta,
Onde parece que existe
Profunda lágrima solta.
E sente por dentro d’alma
Aquela angústia que esmaga
Bem como em noites sem calma
A vaga esmaga outra vaga.
Apenas as flores lindas
Que vendo Rosa morriam
Com brejeirices infindas
De invejas que renasciam,
Sem mais inúteis ciúmes,
Abrem os frescos pistilos,
Jogando aos céus, em perfumes,
Os seus melhores sigilos.
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No entanto à luz soberana
Do amor desfilam as rimas
Dos poetas — como um hosana
A quem já goza outros climas.
Rosa — chama-se a estrela
Daquelas flóreas paragens;
Era escutá-la e era vê-la
Metida em brancas roupagens,
Para exclamar: — Dentro dela
Existe a fibra gloriosa...
Ninguém viu coisa mais bela
Nem Rosa... tão bela rosa!...