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O corpo de Joaquim Roriz deixou o Memorial JK em um caminhão do Corpo de Bombeiros, que passou pela Esplanada dos Ministérios e pela L4 antes de alcançar a Asa Sul |
Ao governador que comandou Brasília por quatro vezes, um adeus marcado pela devoção de familiares, autoridades e simpatizantes. Com flores e balões azuis, faixas de agradecimento, bandeiras, botons e jingles, cerca de 5 mil pessoas prestaram, ontem, as últimas homenagens a Joaquim Roriz. Em meio à cerimônia fúnebre, entre sorrisos e lágrimas, narraram histórias construídas com o ex-governador ao longo de cinco décadas de vida política. Despediram-se do homem que redesenhou o Distrito Federal e ressaltaram: “o legado permanece vivo”.
O ex-governador morreu, aos 82 anos, na manhã de quinta-feira, após três paradas cardíacas e mais de um mês internado na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Brasília. Roriz conviveu por mais de uma década com um quadro grave de insuficiência renal. O patriarca da família deixa a viúva, Weslian, com quem era casado havia 58 anos, três filhas — Wesliane, Jaqueline e Liliane — e quatro netos.
Sob comoção, o velório de Roriz estendeu-se da tarde de quinta-feira à manhã de ontem. Em uma das entradas do Memorial JK, onde ocorreu a cerimônia, foram deixadas mais de 60 coroas de flores. No culto ecumênico, iniciado às 9h, dom José Freire Falcão, cardeal e arcebispo emérito de Brasília, exaltou o histórico do ex-governador. “Roriz, como cidadão, político, esposo, cristão e gestor público, se abrirá eternamente às pessoas, mesmo àquelas que não foram contigo na vida terrena”, disse.
Responsável pela primeira leitura, Jaqueline Roriz não conteve a emoção. Ao fim, um dos presentes gritou: “Samambaia te ama”, em referência a uma das cidades criadas pelo ex-governador. Joaquim Roriz Neto escolheu a música Raridade, de Anderson Freire, para homenagear o avô. Em discurso, lembrou as palavras do senador e ex-presidente da República José Sarney sobre o patriarca da família: “Quem construiu Brasília foi JK, mas quem a consolidou como cidade moderna foi Joaquim Roriz.”
Andorinhas
O trajeto do cortejo teve início por volta das 10h. Após a realização da missa, um caminhão do Corpo de Bombeiros transportou o corpo do ex-governador. Ao deixar o Memorial JK, seguiu pela Esplanada dos Ministérios até o Palácio do Planalto, virou na L4 Sul e, pelo Setor Policial Sul, alcançou o Campo da Esperança, no fim da Asa Sul. A todo instante, o veículo recebia buzinas em sinal de apoio. Ao som de uma das músicas preferidas de Roriz, Andorinhas, do Trio Parada Dura, admiradores aguardavam a chegada do caminhão ao Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul. Uma das responsáveis pela caixa de som, a autônoma Geralda Rodrigues, 48 anos, disse que o tempo não é de choro, mas “de lembrar, felizes, o que ele fez pela cidade”.
No local, uma salva de palmas recepcionou Roriz à Ala dos Pioneiros. Muitos entoavam o nome do ex-governador e destacavam agradecimentos. Com um vestido caracterizado pelo pano da faixa da campanha de Weslian Roriz ao GDF, em 2010, e uma foto com Liliane Roriz, caçula do clã, guardada na bolsa, a aposentada Luzinete Maria de Oliveira, 67, tinha dificuldade de conter as lágrimas. “Moro em Samambaia. Cheguei ao Distrito Federal solteira, com cinco filhas para cuidar. Ele nos deu moradia, pão, leite, cesta básica, dinheiro do gás e um emprego”, conta.
As filhas cresceram e estão casadas. Duas moram em casas erguidas no lote da mãe. “Na derradeira campanha dele, eu ganhei uma faixa com o nome da dona Weslian. Paguei R$ 30 para uma costureira transformar em vestido e pedi que fosse feito com zíper, e não com botões. Queria uma coisa bem-feita”, relata. “Quando as minhas filhas souberam que ele tinha morrido, ficaram preocupadas com a minha saúde. Roriz ajudou a minha família toda. Teve gente que ganhou um lote para morar e outro para comércio”, recorda.
A comoção de Luzinete refletia-se nos olhos de centenas de outros admiradores. “Roriz morreu”, refletiu, em voz alta, o aposentado Carlos Alberto Batista, 67, de Samambaia. Vítima de dois acidentes vasculares cerebrais e com dificuldades na fala, ele se esforçou para pronunciar corretamente as palavras, que saíram com dor, entre lágrimas. “Para o meu pai, era o enterro de um parente. Trabalhamos em várias campanhas dele, éramos recebidos na casa do ex-governador. Não fomos beneficiados por nenhum programa do governo. Simplesmente, acreditamos nele”, explicou a filha, a autônoma Delaine Silva, 27. “O meu pai queria ter ido ao velório, mas, por causa da saúde dele, preferimos vir para o enterro”, acrescentou.
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Ao chegar ao Campo da Esperança, a multidão recebeu o ex-governador com uma salva de palmas |
Exemplo e luta
No momento do sepultamento, formou-se um cordão humano para proteger a família Roriz. Mais afastado da multidão, o servente de pedreiro José Vieira, 52, deixou de comparecer ao trabalho para prestar homenagem a Roriz. Ele também mora em Samambaia. “É Deus lá em cima, e Roriz aqui embaixo. Esse homem é um exemplo para os políticos que estão aí”, disse.
Dezenas de flores brancas cobriram o túmulo. Após a saída de familiares, os simpatizantes se aproximaram e entoaram o jingle da campanha de 2002 de Roriz, época em que o político venceu Geraldo Magela nas urnas. “Roriz é um trabalhador de braços dados com a luta do meu povo”, cantaram, por minutos, até o esvaziamento do local.