RONDÔNIA GRITA COM FORÇA: SOMOS BRASILEIROS!
Raimundo Floriano
Consta do livro Mad Maria, de Márcio de Souza lançado em 1980: Em 1911, a cidade de Porto Velho talvez fosse um fenômeno especial na América do Sul. Era uma cidade artificial e servia principalmente de escritório central da firma que estava construindo a ferrovia chamada Madeira – Mamoré. Era uma cidade muito peculiar, onde não se comemorava o Carnaval, mas se festejava o Dia de Ação de Graças. O dia 7 de setembro não era lembrado, mas a cidade engalanava-se no 4 de julho. No mês de junho, quando ventos frios vinham dos Andes, não havia folguedos tradicionais como bumba-meu-boi ou caninha verde, mas em agosto brincava-se animadamente o Dia das Bruxas, embora ali não vivessem crianças. Porto Velho tinha sido projetada, era artificial como quase tudo nos trinta e seis mil e seiscentos quilômetros quadrados de terras concedidas ao grupo (do americano) Percival Farquhar. A língua oficial era o Inglês e se tivesse sido feito um levantamento acurado ficaria constatado que poucas eram as pessoas que falavam o Português. Da simples concentração de tendas, Porto Velho foi ganhando ares de vilarejo. E era inteiramente habitada por funcionários da Madeira – Mamoré Railway Company. Por isso, não havia rua do comércio, nem bares, nem restaurantes. Em Porto Velho, imperava o suprassumo da iniciativa privada: tudo o que existia ali era monopólio do Sindicato Farquhar, incluindo a lei.
Consultando o Google, obtive informações mais abrangentes: Porto Velho foi criada por desbravadores por volta de 1907, durante a construção da E. F. Madeira – Mamoré. Fica nas barrancas da margem direita do rio Madeira, o maior afluente da margem direita do rio Amazonas. Desde meados do século XIX, nos primeiros movimentos para construir uma ferrovia que possibilitasse superar o trecho encachoeirado do rio Madeira (cerca de 380km) e dar vazão à borracha produzida na Bolívia e na região de Guajará Mirim, a localidade escolhida para construção do porto onde o caucho seria transbordado para os navios, seguindo então para a Europa e os EUA, foi Santo Antônio do Madeira, província de Mato Grosso. As dificuldades de construção e operação de um porto fluvial, em frente aos rochedos da cachoeira de Santo Antônio, fizeram com que construtores e armadores utilizassem o pequeno porto amazônico localizado 7km abaixo, em local muito mais favorável. Em 15/01/1873, o Imperador Pedro II assinou o Decreto-lei n.º 5.024, autorizando navios mercantes de todas as nações subirem o Rio Madeira. Em decorrência, foram construídas modernas facilidades de atracação em Santo Antônio, que passou a ser denominado Porto Novo. O porto velho dos militares continuou a ser usado por sua maior segurança, apesar das dificuldades operacionais e da distância até S. Antônio, ponto inicial da EFMM. Percival Farquhar, proprietário da empresa que, afinal, conseguiu concluir a ferrovia em 1912, desde 1907 usava o velho porto para descarregar materiais para a obra e, quando decidiu que o ponto inicial da ferrovia seria aquele (já na província do Amazonas), tornou-se o verdadeiro fundador da cidade que, quando foi afinal oficializada pela Assembleia do Amazonas, recebeu o nome Porto Velho. Após a conclusão da obra da EFMM, em 1912, e a retirada dos operários, a população local era de cerca de 1.000 almas. Então, o maior de todos os bairros era onde moravam os barbadianos – Barbadoes Town – construído em área de concessão da ferrovia. As moradias abrigavam principalmente trabalhadores negros oriundos das Ilhas Britânicas do Caribe, genericamente denominados barbadianos. Ali residiam, pois vieram com suas famílias, e, nas residências construídas pela ferrovia para os trabalhadores, só podiam morar solteiros. Era privilégio dos dirigentes morar com as famílias. Com o tempo, passou a abrigar moradores das mais de duas dezenas de nacionalidades de trabalhadores que para lá acorreram. Essas frágeis e quase insalubres aglomerações, associadas às construções da Madeira-Mamoré, foram a origem da cidade de Porto Velho, criada em 02 de outubro de 1914. Muitos operários, migrantes e imigrantes moravam em bairros de casas de madeira e palha, construídas fora da área de concessão da ferrovia. Assim, Porto Velho nasceu das instalações portuárias, ferroviárias e residenciais da Madeira – Mamoré Railway...
Com esses dados na cuca, embarquei num avião em Brasília, onde moro, rumo a Porto Velho, não só com o intuito de conhecê-la, como, principalmente, para assistir à posse dos 12 Promotores de Justiça recém-nomeados, dentre os quais Elba Albuquerque, minha primogênita, todos aprovados em concurso público.
O que encontrei apagou-me da mente qualquer aspecto negativo porventura formado. Uma cidade ordeira, pacífica e acolhedora, com população em muito assemelhada à de Brasília, altamente diversificada, composta pelos nativos e por brasileiros vindos dos quatro cantos do país. Amostra disso são os 12 novos promotores: Felipe Miguel, Lucilla e Bruno, do Paraná; Analice, Natalie e Rafaela, de Rondônia; José Paulo e Elba, do Distrito Federal; Marcos, de Mato Grosso do Sul; Felipe Magno, da Paraíba; Naiara e Daeane do Rio Grande do Sul.
Do passado, restam, em Porto Velho, apenas lembranças, como a desativada Estação da Estrada de Ferro Madeira – Mamoré, algumas locomotivas, como a 12, monumentos e logradouros públicos, que relembram os bandeirantes pioneiros.
Raimundo Floriano Veroni e Fábio, com a velha Mad Maria
Raimundo Floriano na Recepção do Larison Hotel
Se, em 1911, não havia crianças em Porto Velho, tudo mudou, e sua população atual, em torno de 520 mil habitantes, é composta eminentemente de jovens, a exemplo dos 12 novos Promotores:
Confraternização dos 12, depois da posse
Supremacia do belo sexo
Durante minha estada em Porto Velho, três especiais aspectos se fizeram notar, diferenciadores das demais grandes cidades por onde já passei: ausência de mendigos nas ruas, de flanelinhas nos estacionamentos e de pichações nas paredes.
O Brasão do Estado de Rondônia ostenta duas datas: 1943 e 1981. A primeira representa o ano em que sua área foi desmembrada do Amazonas e de Mato Grosso, configurando nova Unidade da Federação, o Território de Guaporé; a segunda, o ano em que Guaporé foi transformado no Estado de Rondônia, recebendo essa denominação em homenagem ao Marechal Rondon, glorioso desbravador daqueles sertões.
Devido aos primórdios citados por Márcio de Souza, e sua proximidade com a Bolívia, os demais povos consideravam, pejorativamente, Guaporé/Rondônia como terra estrangeira. Por isso, o Hino de Rondônia, de autoria de José de Melo e Silva e Joaquim de Araújo Lima, instituído pelo Decreto-lei nº 007, de 31 de dezembro de 1981, faz questão de desfazer esse lamentável engano:
HINO DO ESTADO DE RONDÔNIA
CÉUS DE RONDÔNIA
Quando nosso céu se faz moldura
Para engalanar a natureza
Nós, os bandeirantes de Rondônia,
Nos orgulharmos de tanta beleza.
Como sentinelas avançadas,
Somos destemidos pioneiros
Que nestas paragens do poente
Gritam com força: somos brasileiros!
Nesta fronteira de nossa pátria,
Rondônia trabalha febrilmente
Nas oficinas e nas escolas
A orquestração empolga toda gente.
Braços e mentes forjam cantando
A apoteose deste rincão
Que com orgulho exaltaremos,
Enquanto nos palpita o coração
Azul, nosso céu é sempre azul.
Que Deus o mantenha sem rival,
Cristalino muito puro
E o conserve sempre assim.
Aqui toda vida se engalana
De belezas tropicais,
Nossos lagos, nossos rios
Nossas matas, tudo enfim.
Vamos ouvi-lo: