ROMANCE XIV OU DA CHICA DA SILVA
Cecília Meireles
Que andor se atavia
naquela varanda?
É a Chica da Silva:
é a Chica-que-manda!
Cara cor da noite
olhos cor de estrela.
Vem gente de longe
para conhecê-la.
(Por baixo da cabeleira,
tinha a cabeça rapada
e até dizem que era feia.)
Vestida de tisso,
de raso e de holanda
– é a Chica da Silva:
– é a Chica-que-manda!
Escravas, mordomos
seguem, como um rio,
a dona do dono
do Serro do Frio.
(Doze negras em redor,
– como as horas, nos relógios.
Ela, no meio, era o sol!)
Um rio que, altiva,
dirige e comanda
a Chica da Silva,
a Chica-que-manda.
Esplendem as pedras
por todos os lados:
são flechas em selvas
de leões marchetados.
(Diamantes eram, sem jaça,
por mais que muitos quisessem
dizer que eram pedras falsas.)
Mil luzeiros chispam,
à flexão mais branda
da Chica da Silva
da Chica-que-manda!
E curvam-se, humildes,
fidalgos farfantes,
à luz dessa incrível
festa de diamantes.
(Olhava para os reinóis
e chamava-os “marotinhos”!
Que viu desprezo maior?)
Gira a noite gira,
dourada ciranda
da Chica da Silva,
da Chica-que-manda!
E em tanque de assombro
veleja o navio
da dona do dono
do Serro do Frio.
(Dez homens o tripulavam,
para que a negra entendesse
como andam barcos nas águas.)
Aonde o leva a brisa
sobre a vela panda?
– A Chica da Silva:
à Chica-que-manda.
A Vênus que afaga,
soberba e risonha
as luzentes vagas
do Jequitinhonha.
(À Rainha de Sabá,
num vinhedo de diamantes
poder-se-ia comparar.)
Nem Santa Ifigênia,
toda em festa acesa,
brilha mais que a negra,
na sua riqueza.
Contemplai, branquinhas,
na sua varanda,
a Chica da Silva,
a Chica-que-manda!
(Coisa igual nunca se viu.
Dom João Quinto, rei famoso,
não teve mulher assim!)