ROMA
Dalton Trevisan
De Roma eu lembro da sede e dos degraus na rua. Inútil falar de qualquer monumento. Só da sede que me resseca a língua, andando nas ruas com escadas.
Soube pela primeira vez do sol em Roma ao ver as pessoas em fuga rente às fachadas brancas. Nas ruas todos seguem de cabeça baixa no lado da sombra. Atravessar uma praça é salto mortal de olho fechado na piscina ofuscante de luz.
Pela manhã ao erguer a cabeça do travesseiro você deixa a tua face molhada no lenço de Verônica.
Posso lavar o rosto com o próprio suor do rosto. Um fósforo aceso não apaga, queima até o fim.
Do vento em junho aqui não há notícia. Esses nichos nas fachadas, com a imagem de santos em santos louça, as únicas manhas negras nos paredões de luz.
Na próxima esquina eu mergulho a cabeça debaixo da fonte. Na seguinte, morrendo de sede, bebo na concha da mão a água cuspida por feias carrancas de pedra.
Os museus são corredores frescos, por onde passeio com sono e sede. Lá fora, as ruínas no meio da cidade --- da história antiga ou da última guerra?
É a estação do sol, do prato fundo de macarrão com garfo e colher, do vinho e, muito mais, da água. Ao refrigério das fontes luminosas me acolho para sentir no rosto os pingos do repuxo.
Paisagem menos de palácio, museu, estátua que das poderosas romanas. Nutrientes fatias de polenta na chapa. Nalgas fornidas, a pé ou de vespa, os longos cabelos esvoaçantes ao vento, num bando de anjos barulhentos.
Suas prendas têm mais cores que as madonas dos museus. Elas, sim, as próprias madonas vivas.
A carne, o osso --- ah, esses braços nus roubados da Vitória de Samotrácia!
Como entender a estátua se não viu a moça, vera loba romana? Ode a uma urna de água fresca do Tibre na epifania do amor.
Ó jarra de vinho generoso para matar a tua sede!