A recente tragédia que assolou a população de Brumadinho (MG) acionou o alerta de representantes do poder público por todo o país. No Distrito Federal não foi diferente. A possibilidade de o mesmo acontecer na Barragem do Paranoá, por exemplo, fez com que o GDF adotasse medidas para evitar o desgaste da estrutura do local. Apesar disso, o cenário e a especulação preocupam moradores das proximidades abaixo da represa, principalmente os habitantes do Núcleo Rural Boqueirão, que seriam os primeiros atingidos em caso de um problema que provocasse o rompimento da estrutura — ou uma vazão emergencial da água do lago.
Responsável pelas políticas de gestão do território do DF, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) ainda não tem dados sobre a quantidade de famílias que vivem na área. A pasta informou que, ao longo do curso do rio, não há ocupação urbana. No entanto, o núcleo rural abriga centenas de casas em pontos de difícil acesso. Em nota, a Seduh informou que efetua uma pesquisa sobre a população da área. “O único levantamento que é feito pela Seduh, neste momento, é sobre a população que vive próxima à Barragem do Paranoá, mas ainda dependemos de algumas informações que a CEB enviará.”
Ainda que, para especialistas e para o governo, a possibilidade de isso acontecer seja quase inexistente, os moradores da área temem problemas maiores. Eles relataram ocasiões em que as comportas da barragem foram abertas sem que a sirene da Companhia Energética de Brasília (CEB) — responsável pelo local — tocasse para alertar a população. O fluxo de água fez com que o nível do Rio São Bartolomeu subisse e atingisse casas da região.
“Antes, não nos preocupávamos, apesar do que aconteceu também em Mariana (MG). Agora estamos sim”, comenta Valdenice Ferreira, 50 anos. Ela e o marido, Benedito Ribeiro, 62, são donos de um bar nas proximidades do rio. Os dois, além de um primo do comerciante, moram em uma casa no mesmo terreno do estabelecimento.
A simplicidade do local não afasta o público, que chega em grupos de amigos e parentes, para aproveitar o dia à beira do rio. Moradores da região e de outras partes do DF, eles percorrem os cerca de 3km de estrada — pavimentada e de terra — que sai da DF-001 no Paranoá e leva à comunidade ribeirinha. Valdenice e Benedito cuidam do bar desde 1987, mas moram na região desde 2015. Ela diz que moradores nunca foram preparados para eventuais caminhos de fuga. “O pessoal da CEB disse que estava tudo ok. A Polícia Ambiental e os bombeiros sempre vêm, mas nunca ninguém fez treinamentos conosco.Uma vez, o nível da água chegou à mureta do bar”.
Boas condições
A CEB afirmou que as comportas da barragem são abertas em situação de rotina, pois de acordo com a companhia, existe necessidade de dar vazão à água do Lago Paranoá. “As sirenes funcionam normalmente e, sempre que abrem, ela toca. Os sistemas de monitoramento da barragem estão em perfeito funcionamento. As condições são de segurança e laudos são elaborados periodicamente”, ressaltou, em nota, a concessionária.
A companhia informou ainda que colocará em prática, ao lado da Defesa Civil, um trabalho de comunicação e esclarecimento à população que mora abaixo da Barragem do Paranoá. O objetivo da medida é explicar que esse público está em uma área de risco, o significado disso e os tipos de providências que devem ser tomadas em caso de emergência.
Moradora do Núcleo Rural Boqueirão há três meses, Nadja Diane da Silva, 29, preocupa-se com a infraestrutura da área e teme uma tragédia. Dona de casa, ela mora com o marido, o operador de máquinas Jeferson Pereira, 30, e os três filhos. Mesmo com a aflição, a família não tem condições de deixar o imóvel, que fica próximo a uma escarpa e a poucos metros do rio. “O que nos preocupa é essa tragédia (de Brumadinho). Passa muita coisa em nossa cabeça, mas não temos como sair daqui. Seguro a gente nunca fica. Mas fazer o quê?”, questiona Nadja.
Com o mesmo receio, o pedreiro José Vânio de Sousa, 47, cita um caso em que percebeu a dimensão do problema. “Houve uma vez em que o rio subiu, tudo ficou inundado e ninguém pôde sair daqui de baixo”.
Professor de Engenharia de Barragens e de Fundações do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Rideci Farias afirma que qualquer estrutura do porte da barragem do lago precisa de manutenções e inspeções constantes, a fim de terem a vida útil garantida. “Claro que isso depende do tipo de barragem, pois há particularidades.” O especialista ressalta a importância de construção de uma barreira que suporte a força da água contra o obstáculo e acrescenta que, independentemente do tipo de material usado, sempre haverá alguma chance de acidentes acontecerem. “Se o empreendimento existe, o risco existe. Assim sendo, ele tem de ser observado, medido e monitorado, mas nunca desprezado”, reforça.
O secretário de Infraestrutura e Obras, Izídio Santos, disse que não há motivo para alarde a respeito da situação da Barragem do Paranoá. Inspeções regulares feitas pela CEB nos últimos três anos atestaram que a categoria de risco da represa é média. “Hoje, tudo o que se exige dentro do plano de manutenção de barragens no DF é atendido. Mesmo assim, queremos aprimorar as estratégias para monitorar essas estruturas”, afirmou.
Izídio destacou que são necessárias manutenções preventivas de rotina, especialmente na pista de rolamento. Dessa forma, até o fim desta semana, o governo fará obras de recapeamento asfáltico sobre toda a extensão da pista que passa por cima da barragem, além de sinalização e limpeza de saídas de água e drenos. Assim que os reparos estiverem concluídos, a velocidade máxima da via será reduzida de 50km/h para 40km/h.
Segundo o secretário, por mais que a barragem não corra riscos iminentes, é indispensável que seja feito algum projeto para preservar a vida das comunidades ribeirinhas mais próximas ao reservatório. “Não deveria ter pessoas vivendo ali embaixo. Estamos fazendo um estudo minucioso, a fim de identificar quais são as possíveis soluções para as famílias. Vamos avaliar o que é regular e o que é irregular. O ideal é controlar a ocupação daquela área, com o cadastramento das populações dali”, explicou.
|
|
Nadja Diane e Jeferson Pereira: preocupação depois de Brumadinho
|
Três perguntas para Izídio Santos, secretário de Infraestrutura e Obras
Atualmente, há algum risco estrutural na Barragem do Paranoá?
Não. Hoje, não há nada que indique um risco iminente à estrutura da represa. A cada sete anos, a CEB faz um laudo minucioso para averiguar a situação da barragem. O último, de 2017, constatou que o nível de segurança do reservatório é normal.
Existe um plano do governo para remanejar as famílias que moram no Núcleo Rural Boqueirão, abaixo da represa?
Estamos analisando a situação dessa área. O governador Ibaneis determinou que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação faça um estudo do que há naquela região. A Defesa Civil também participará deste processo. A ideia é fazer um plano de contingenciamento, pois, apesar de os riscos na estrutura da barragem serem baixos, o dano potencial em caso de rompimento é alto. Como há muitas chácaras e pessoas morando ali, a possibilidade de perdas de vidas, caso a represa entre em colapso é real.
Caso o GDF decida construir uma ponte para desviar o trânsito da Barragem do Paranoá, em quanto tempo ela ficará pronta?
Isso depende do sistema construtivo, mas seria algo em torno de três anos. Estamos discutindo como seria erguida essa ponte. Temos a opção de fazê-la dentro do espelho d’água ou após a barragem, onde há um desnível de terra muito grande. Tudo está sendo avaliado. É um processo demorado. Além da parte técnica e de elaboração do projeto, há a questão do tempo para se concluir a licitação. De qualquer forma, está nas nossas intenções eliminar o trânsito sobre a barragem.