INGRID SOARES
ESPECIAL PARA O CORREIO
Publicação: 13/04/2019 04:00
Equipes fazem buscas nas ruínas dos dois prédios da comunidade da Muzema em busca de sobreviventes: cães farejadores ajudam nos trabalhos
|
Após a morte de 10 pessoas em chuvas torrenciais no Rio de Janeiro, mais uma tragédia se abateu sobre a cidade na mesma semana. Desta vez, o desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, no bairro Itanhangá, na Zona Oeste. Até o fechamento desta edição, cinco pessoas tinham morrido, nove ficaram feridas e aos menos 13 estavam desaparecidas. Entre os mortos está Claudio Rodrigues, 41 anos, que foi resgatado, levado para um hospital particular, mas não resistiu. Ele sofreu traumatismo craniano e teve quatro paradas cardíacas. Os nomes dos outros não foram divulgados.
O Corpo de Bombeiros teve dificuldades de acessar o local da tragédia devido ao temporal de dias antes, que deixou ruas destruídas ou intransitáveis. A corporação trabalha com cães farejadores, helicópteros, drone, ambulâncias e viaturas de recolhimento de corpos. Vizinhos foram os primeiros a prestar socorro e utilizaram até uma porta como maca para fazer a retirada de vítimas.
Segundo a prefeitura, os edifícios foram construídos irregularmente, e as obras estavam embargadas desde novembro de 2018. A pasta afirmou que os prédios foram erguidos por milícias e que, ao atuar na região, precisa do apoio da polícia.
Os apartamentos comercializados por milicianos são vendidos a preços abaixo do mercado. Unidades de dois quartos, com garagem, por exemplo, estavam sendo comercializadas por valores de R$ 40 mil a R$ 100 mil. Moradores contaram que sabiam da irregularidade dos imóveis, mas que era a única forma de moradia disponível.
Bombeiros carregam um dos feridos resgatados dos escombros
|
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou, ontem, que não se pode culpar apenas a gestão atual pela tragédia. “Esse prédio que desabou é um retrato da falta de fiscalização por parte do município. O estado não tem poder de fiscalizar edificações. São edificações que têm de ser coibidas pelo município. Agora, se a área era de milícia, como está sendo dito, no nosso governo estamos combatendo todas as áreas de milícias”, frisou. Já o vice-presidente Hamilton Mourão isentou o governo federal de qualquer responsabilidade e afirmou que as milícias devem ser enfrentadas.
Sem planejamento
De acordo com o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, Jeferson Salazar, a prefeitura desmontou os quadros técnicos e praticamente extinguiu a capacidade de planejamento. “Infelizmente, essas tragédias vêm ocorrendo com frequência espantosa e não são uma exclusividade do Rio, mas se reproduzem em todo o território nacional”, ressaltou. “São reflexo de um conjunto de problemas que inclui a ausência de responsável técnico habilitado em atividades de projeto e obra de construções.”
Moradora é consolada: prédios teriam sido erguidos por milícias
|
Salazar destacou que, ao deixar de garantir direitos fundamentais, como acesso à terra infraestruturada, à moradia e à mobilidade urbana, o Estado se exime de sua responsabilidade constitucional de garantir aos cidadãos o direito à cidade. “Sem a presença do Estado e de políticas públicas consistentes, o cidadão ou é deixado à sua própria ‘sorte’, dando margem à autoconstrução sem assistência técnica, ou fica à mercê da exploração por agentes que agem à margem da lei”, disse. “O resultado é a insalubridade, a ocupação de áreas de risco, o habitat precário e, como na tragédia de hoje (ontem), o desabamento de moradias.”
A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação determinou a demolição de mais três prédios no entorno dos que desabaram e realizou, até as 18h de ontem, 13 interdições. A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), por sua vez, atendeu 23 famílias desabrigadas e desalojadas e prestou assistências individuais a mais 100 pessoas do local.
“Sem a presença do Estado e sem políticas públicas consistentes, o cidadão ou é deixado à sua própria ‘sorte’, dando margem à autoconstrução sem assistência técnica, ou fica à mercê da exploração por agentes que agem à margem da lei”
Jeferson Salazar, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro