Não foram Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Detrito Federal que primeiro movimentaram a cena da música em Brasília. O responsável pelo feito foi Mel da Terra, que, este ano, completa quatro décadas de existência. Isso, tomando-se como referência o histórico show que o grupo fez, no Teatro Garagem, em maio de 1980. A partir dali, Paulinho Mattos, Paulo Maciel, Sérgio Pinheiro, Remy Portilho, Beto Escalante e Haroldinho Mattos se tornaram os primeiros ídolos da cidade. Na próxima sexta-feira, eles celebram a data com o relançamento — agora nas plataformas digitais — do disco de estreia.
Formada por adolescentes, o grupo surgiu um ano antes, no Concerto Cabeças. No evento, que ocorria no gramado da 311 Sul, dividiu o improvisado palco com Oswaldo Montenegro, Renato Matos e Liga Tripa, entre outros artistas brasilienses. Reza a lenda que Renato Russo nunca perdoou Néio Lúcio — produtor do projeto —, por não ter sido convidado para tomar parte naquele encontro musical.
A instituição que mais contribuiu para a construção da popularidade do Mel, segundo os integrantes da seminal banda pop candanga, teria sido o Sesc. “Em 1979, nos destacamos ao participar de um festival instrumental que ocorreu no Teatro Garagem, logo depois da inauguração. Como ensaiávamos no apartamento dos pais do Remy, na 311 Sul, o que não era muito conveniente, por causa do barulho que fazíamos. Aí, fomos convidados pela Maria Helena Costa, à época coordenadora de música do Sesc, a utilizar o Garagem para os ensaios”, lembra o vocalista e flautista Paulinho Mattos.
Como contrapartida, foi naquele teatro em que ocorreu o show que marcou, oficialmente, o início da carreira do grupo. “Para nossa surpresa, o teatro estava superlotado por uma plateia que se mostrou entusiasmada com o que ouvia, mesmo sem ainda conhecer as músicas do repertório”, recorda-se o vocalista Sérgio Pinheiro. “Ainda em 1980, fizemos apresentações concorridas no Teatro Galpão (508 Sul) e Teatro da Escola Parque (entrequadra 507/508 Sul), e nos tornamos a banda queridinha da galera”, acrescenta.
Shows no auge
Estrela cadente (Paulo Maciel e Edbert), um hit instantâneo, contribuiu para o sucesso do Mel da Terra, que, no ano seguinte, veio a ser uma das atrações do festival Rock Cerrado, realizado no extinto Pelezão, ao lado de Raul Seixas, Pepeu Gomes e Walter Franco. Daí em diante, praticamente todos os grandes eventos musicais passaram a contar na grade com a banda candanga. “Em 1982, por exemplo, tomamos parte do Rock Way, com14 Bis, Erva Doce e Jorge Ben Jor; do Ginga Brasil, na área da Torre de TV, que teve Paulinho da Viola como maior destaque; e na comemoração do aniversário de Brasília, no Parque da Cidade, abrindo para Ney Matogrosso”, relata o baixista Paulo Maciel. “Num show em que dividimos o palco do Teatro da Escola Parque, por três noites, os aplausos maiores foram para o Mel, deixando o cantor e compositor carioca, enciumado”, complementa.
Mesmo sem ter uma trajetória regular — houve várias interrupções — o Mel chegou a lançar mais dois discos. O segundo é de 1990 e o terceiro, de 2013. Segundo Paulo Mattos, que os produziu, ambos serão relançados também nas plataformas digitais. Um show, em 11 de setembro de 2019, em comemoração aos 40 anos do Teatro Garagem, marcou a retomada da carreira do grupo. “Estávamos preparando uma apresentação para o lançamento do primeiro álbum nas plataformas digitais, mas, em razão do problema de saúde que Remi vem enfrentando, decidimos adiá-lo”, explicou o guitarrista Haroldinho Mattos.
Primeiro registro
A ideia de resgatar o disco de estreia do Mel (um LP lançado há 37 anos) foi de um fã do grupo, o produtor Gustavo Vasconcellos, da GRV Música, Media & Entretenimento. “Depois de uma conversa com o Sérgio Pinheiro e o Paulo Maciel, em abril último, ficou decidido lançar o disco digitalmente. O Sérgio cuidou da digitalização do álbum, fazendo a remixagem de 10 das faixas. A GRV organizou a documentação para legalização do material e se responsabilizou pelo lançamento nas plataformas digitais, que ocorrerá no dia 12 próximo. É um projeto de energia positiva, pensando no momento em que vive Remi Portilho, em tempo de pandemia”, ressalta Vasconcellos.
“Com o projeto do Mel da Terra, atingimos a marca de 200 artistas lançados pela GRV, via plataformas digitais (200 lojas), em todo o mundo. Isso faz parte da nossa proposta de preservação da música de Brasília”, destaca o produtor. O disco, com 10 faixas, traz músicas como os hits Estrela cadente, Pequena mágoa e Vira lata, além de Chinfra (que abre o repertório), Curso d’água, Veneno moreno, Roda paulista, Dono do sol, Matéria paga e Ângela,
Depoimentos
» Paulinho Mattos
“Estamos vivenciando um momento importante com o retorno do Mel, comemorando 40 anos de carreira, e o lançamento do primeiro disco nas plataformas digitais. É uma pena não podermos fazer um show para celebrar a data, por causa do problema de saúde do nosso querido Remi e também pela epidemia que se espalha por todo o mundo.”
» Sérgio Pinheiro
“Para mim é uma grande alegria relançar nosso LP de estreia, agora pelas plataformas digitais. Os fãs poderão curtir todas as 10 faixas originais, incluindo, obviamente, o hit Pequena mágoa (Paulinho Mattos) e o clássico Estrela cadente (Paulo Maciel e Edibert Torres). A remasterização foi feita por mim e por meu irmão Caio Pinheiro.”
» Paulo Maciel
“O relançamento do primeiro disco do Mel pelas plataformas digitais me faz voltar ao começo, quando, adolescente, estudava na Escola de Música de Brasília e fui convidado para fazer parte da banda, ainda na época do Concerto Cabeças. Me recordo também dos ensaios no apartamento dos pais do Remi e do primeiro show no
Teatro Garagem.”
» Beto Escalante
“Tenho muita saudade de tudo o que se relaciona ao Mel da Terra. Nunca esqueci dos ensaios no apartamento da família do Remi, todos nós muito jovens e cheios de entusiasmo por estarmos juntos naquela que se tornou a primeira banda de sucesso no cenário musical brasiliense. Depois, vieram o primeiro show, a participação no festival Rock Cerrado e a gravação desse disco, que está sendo relançado digitalmente.”
» Haroldinho Mattos
“Eu tinha 16 anos quando passei a integrar o Mel e tive o meu primeiro contato com o palco e, posteriormente, com estúdio de gravação. Para mim, tinha tudo a ver, pois vivenciava cultura em casa, uma vez que meu pai era artista plástico e a minha mãe poeta. À época, morava com meu pai, em Belo Horizonte, e vim passar férias na casa da minha mãe. Aí, não voltei mais. O relançamento do disco digitalmente, me leva a recordar tudo.”