Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Agenda Cultural terça, 12 de setembro de 2017

REVISTA FOCUS BALSAS: UM SONHO DE BERNADETE

 

REVISTA FOCUS BALSAS: UM SONHO DE BERNADETE

(Publicada no dia 05.10.2015)

Raimundo Floriano

 

Bernadete Alencar

 

                        A Fazenda Araçás ficava a quatro quilômetros da Tresidela, bairro balsense separado do Município-sede pelo Rio Balsas. Era propriedade do Patriarca José Miranda, que ali vivia com Dona Luísa, sua mulher, cercado da família, tendo como fonte de renda a criação de gado, a lavoura e, em especial, um engenho de cana-de-açúcar, movido por tração animal, produzindo aguardente, rapadura, alfenim, tijolos de frutas diversas e outros derivados.

 

                        Todos os anos, era rezada nos Araçás uma novena em louvor ao Divino Espírito Santo, que tinha como apoteose o Dia de Pentecostes. Na véspera do último dia, grande parte da população urbana se dirigia para lá, a pé, ou no lombo de jumento, cavalo e burro, em romaria, para tomar parte na festa e também render louvor ao Divino.

 

                        A estrada era uma trilha por onde passava, no máximo, carro de boi ou carroça. Hoje, parece que quatro quilômetros – pouco mais de meia légua – é bem ali, como dizia o matuto, apontando o rumo com o beiço inferior! Mas, em meu tempo de criança, no último Festejo do qual lá participei, com 11 anos de idade, achava uma lonjura pra mais da conta.

 

                        Embora a Araçás fosse rodeada de serras e densa floresta, o Festejo era noticiado, desde seu início, e durante os nove dias de sua duração, pelos tiros de potentes ronqueiras, que mais pareciam estrondos de canhão. Nas últimas noites, o céu era enfeitado por todo tipo de fogos de artifício, fabricados ali por Seu Elias Miranda, filho de Zé Miranda, com casa no pátio da fazenda.

 

                        Como eu dizia, o afluxo de romeiros se dava na véspera de Pentecostes. Toda aquela multidão era alimentada pelos Festeiros, numa boca-livre como jamais vi naquele sertão. Nunca me esqueço do picadinho de carne-de-sol com macaxeira!

 

                        À noite, havia uma Procissão no pátio, após a qual era rezado o Terço. Em seguida, era realizado um leilão, em benefício do Festejo, com joias nas quais predominavam itens artesanais, ali mesmo confeccionados, capões cheios, leitoas assadas, bolos e doces diversos. Terminado o leilão, começava a dança na latada, devidamente iluminada por lamparinas de três bicos, com música a cargo de sanfoneiros das redondezas, que ia até o amanhecer.

 

                        Ninguém dormia. A meninada se arranjava de qualquer jeito. Quem levava rede, atava-a em qualquer árvore, ao ar livre. Outros dormiam no chão mesmo. Pela manhã, era servido café para todos, com bolo cacete, rosca, orelha-de-macaco, frito de carne de porco, beiju e cuscuz, novamente por conta dos anfitriões.

 

                        A seguir, era celebrada a Santa Missa pelo Padre Clóvis, nela se realizando batizados e casamentos de moradores das cercanias.

 

                        Após a Santa Missa, o engenho era liberado para quem quisesse beber caldo de cana – ou garapa, com a gente falava –, saborear guloseimas diversas e, no caso dos adultos, tomar lapadas de aguardente direto do alambique. Havia também o caxixi, subproduto da borra da garapa, vinho fraco, que até crianças podiam degustar. Ao meio-dia, após o banho no riacho, era servido o almoço, e estava na hora de todo mundo voltar pra casa, ficando o ato religioso na última noite a cargo dos festeiros.

 

                        Para relembrarmos a Festa dos Araçás, ouçamos o Hino do Divino Espírito Santo – A Nós Descei, Divina Luz, de domínio público, com o Coral da Basílica do Carmo - Campinas:

  

                        Com o passar do tempo, tudo isso acabou. Em busca de proporcionar estudo para a prole, quase toda a família se mudou para a cidade, com alguns fixando residência na Tresidela. Como foi o caso de Seu Elias Alencar e Dona Adiles, sua mulher. Montando lá variado comércio, Seu Elias também participou da Administração Municipal, elegendo-se Vereador.

 

                        Também na Tresidela morava Seu Aprígio Alencar, casado com Dona Joana Miranda, mais conhecida pelo carinhoso apelido de Quinô, irmã de Seu Elias.

 

                        Um dos filhos de Seu Aprígio, José Djalma – mais tarde conhecido como Zé do Cine Éden – casou-se com uma filha de Seu Elias, de nome Maria Luísa, a Marilu, que vinha a ser sua prima-irmã. Desse casamento, nasceu Bernadete.

 

                        Em meados dos Anos 1950, Balsas possuía dois cinemas: o Cine Santo Antônio, que funcionava na Casa Paroquial, e o Cine Éden, propriedade de Enoque Miranda, filho de Seu Zé Miranda, instalado esse em sua residência, na então Praça de São Sebastião, esquina com a Rua do Frito, ou 11 de Julho. Ambos enfrentavam dificuldades advindas do fato de Balsas não possuir luz elétrica pública, ficando muito onerosa cada exibição de filme. Em pouco tempo, essa diversão se acabou.

 

                        Mas o Zé Djalma tinha um grande sonho: ressuscitar o Cine Éden. De início, quase ainda adolescente, mas já casado, deixou a família em Balsas e foi tentar a vida em São Paulo, só retornando no raiar dos Anos 1960, com os projetores e possante motor elétrico próprio, concretizando, com pompa e circunstância, o sonho perseguido. Daí, o nome pelo qual ficou para sempre conhecido: Zé do Cine Éden.

 

                        Foi um sonho que durou 22 anos! Nesse interregno, a TV chegou àquele sertão, com sua força lúdica, suas instigantes novelas e publicidade arrasadora. Tal crudelíssimo tsunami levou de roldão todas as pequenas salas brasileiras. E, assim, em 1982, o Cine Éden, aquele nosso Cinema Paradiso sertajeno, conheceu sua última sessão.

 

                        Mas não pensem que a saga cultural desse ilustre clã acabou por aí! Entra em cena Bernadete Alencar, com outro grande sonho, lindo sonho, deveras encantador: criar uma revista em sua cidade natal!

 

                        Filha do Zé e da Marilu, com 10 anos de idade já ajudava no Cine Éden. Aos 17, foi para Goiânia, com o objetivo de concluir o ensino médio e obter o diploma universitário, graduando-se em Marketing.             Em Goiânia, trabalhou em algumas empresas, mas sua vocação era negociar por conta própria, daí ter aberto uma loja de confecções de roupas, diversificando essa atividade com artigos para presente.

 

                        Casada com Joaquim Nogueira dos Santos, teve três filhos: Bianca, Beatriz e João Felipe. Visando a proporcionar-lhes instrução adequada e melhor qualidade de vida, retornou para Balsas no ano de 1999, onde, com o apoio da família, criou uma Biblioteca Comunitária, que chegou a contar com acervo em torno de 10 mil volumes.

 

                        Não encontrando retorno na Comunidade para esse trabalho voluntário, doou essa riqueza para estas unidades educacionais: UNIBALSAS, Colégio São Pio X, Colégio Padre Clóvis Vidigal, Biblioteca Municipal de Balsas, ajudando, ainda, a montar duas Bibliotecas na Zona Rural, nos povoados de Jenipapo e Santa Luzia.

 

                        Em dezembro de 2004, conseguiu, enfim, concretizar o belo sonho de sua vida, com a publicação do Número 1 da revista Focus Balsas, de circulação mensal:

 

 

Primeiro número da Focus 

                        Isso deixou todos os balsenses que amam seu torrão natal impregnados de imenso orgulho, com a autoestima nas alturas estratosféricas. Tiro isso por mim, que logo hipotequei integral apoio, colaborando com meus escritos e indicando endereços de possíveis assinantes.

 

                        Todos os começos são flores. Para funcionar a pleno vapor, no entanto, empreendimento desse porte depende, mais que dos leitores, da indispensável colaboração financeira de patrocinadores. E isso começou a rarear, com o decorrer do tempo, fazendo com que a Focus Balsas perdesse a regularidade mensal de suas edições.

 

                        Percebendo um desenlace anunciado, enviei para a Bernadete, em março de 2007, a correspondência abaixo, que passo a transcrever na íntegra, o que a faz repetitiva do que acima já foi dito:

 

                        “A Revista Focus Balsas é uma ousadia!

 

                        “Petulância sem tamanho dessa tal de Bernadete Alencar, que ousou desafiar o paradeiro cultural do sertão sul-maranhense, num momento em que o assunto em voga girava em torno do plantio, da colheita, da pecuária, da exportação de grãos. Ideia tão prafrentex só poderia mesmo sair da cabeça de pessoa com a coragem dessa guabiraba – assim chamado, carinhosa ou pejorativamente, dependendo da hora e do local, o habitante da Tresidela.

 

                        “Pioneirismo pra mais de metro!

 

                        “Mas ações pioneiras sempre marcaram a família dessa balsense metida a sebo! Elias Miranda, seu avô, foi o único fabricante de fogos de artifício do nosso sertão. Lindos fogos, maravilhosos fogos, que embelezavam os Festejos dos Araçás, fazenda do seu bisavô, o patriarca José Miranda. Um erro do Seu Elias, pequenino que fosse, e pelos ares iriam suas mãos, seus braços, seus olhos, o corpo todo. Pólvora é fogo, e ninguém com ele brinca. Seu pai, José Djalma, o Zé do Cinema, foi um bravo idealista, lutador incansável no incremento da diversão cinematográfica em nossa cidade.

 

                        “Porém, ai, porém, tocar uma revista.... Sei lá! É preciso tutano pra lascar, ter comido muito pequi com farinha e rapadura! E Bernadete Alencar assim foi criada!

 

                        “Alguns fariseus logo aparecem para depreciar o valor desse empreendimento, dizendo que, se Balsas já tem mais de 5 Faculdades, qual a serventia duma revista? E eu respondo a esses derruba-serviço: Faculdade é educação, ensino; a Revista é cultura!

 

                        “Grande falta nos fazia um periódico assim. Há muito, eu desejava que meus conterrâneos tomassem conhecimento de meus escritos. Aqui em Brasília, tudo o que escrevo é publicado por um dos maiores jornais do país, o Correio Braziliense, na Seção de Cartas ou na parte destinada aos colaboradores. Os jornais da ASA-CD – Associação dos Aposentados da Câmara dos Deputados e da ASCADE – Associação dos Servidores da Câmara dos Deputados sempre estampam matérias minhas. Cheguei a assinar coluna semanal no O Diário de Alagoas, editado em Maceió. De que me valia tudo isso, pergunto, se em minha terra natal ninguém me lia?

 

                        “Meu primeiro livro, Do Jumento ao Parlamento, lançado na noite de 12 de junho de 2003, em frente á Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas, teve aceitação acima da esperada e continua procurado até hoje. Livro, no entanto, é lido e guardado, não tem a dinâmica que uma revista mensal nos proporciona. O surgimento da Focus Balsas veio ao encontro de nossos anseios. Nossos sim, pois, com o seu advento, muitas pessoas saíram dos seus casulos, apontaram os lápis e se entregaram às letras. Caso do comerciante balsense Cláudio Pires que, septuagenário, se revelou excelente cronista. E do octogenário conterrâneo Sileiman Kalil, inspirado poeta, cujos versos só eram conhecidos no sul-maravilha. E doutros mais.

 

                        “Quando nossa revista chegou à vigésima edição, em agosto de 2006, exultei de contentamento e orgulho. Contentamento, por ver que a idéia germinara, medrara em terreno que parecia árido e infértil. Orgulho, por ter, com minhas maltraçadas, ajudado nessa fabulosa seara. Na ocasião, exortei os jovens universitários balsenses a mostrarem suas caras, virem à tona e exibirem na Focus sua sabedoria, sua competência, sua criatividade. No número seguinte, positiva reação!

 

                        “É com temor que, ao ver sair a Edição 26, constato já não haver mais a periodicidade – 6 números em 8 meses –, denotando que, agora, a ida ao prelo depende quase exclusivamente do bom tempo que Deus lhe concede, representado esse pela abertura da mão de seus patrocinadores. É o vil metal ditando as regras, e a falta dele suplantando o saber.

 

“Será que o sonho está se acabando?

“Ou já se acabou?”

 

                        Infelizmente, eu estava prenhe de razão. Com aquele Número 26, lançado em março de 2007, a querida Focus Balsas exalava seu último suspiro:

  

                        Atualmente, Bernadete é funcionária pública da Prefeitura Municipal de Balsas e trabalha como artesã, juntamente com o Joaquim, seu marido, na arte e design em pneus sucateados. Adiante, o casal, esbanjando simpatia e criatividade:

 

Joaquim e Bernadete 

                        Nos Anais e História Balsense, ficará registrado para a posteridade que Balsas, um dia, fora do período eleitoreiro, teve um jornal, o Jornal de Balsas, nos idos dos Anos 1930, fruto do pioneirismo de Thucydides Barbosa e Ascendino Pinto, e uma revista, a Focus Balsas, efêmera concretização do Sonho de Bernadete.

 

                        Hoje, é propalado que Balsas possui, entre duas grandes Universidades, Faculdades e Entidades de Ensino Superior à Distância, 7 estabelecimentos. Ao mesmo tempo, nenhuma revista, nenhum jornal. Sob essa estreita ótica, num confronto Cultura X Instrução Balsense, a Cultura está em pior momento que a Seleção Brasileira de Futebol na Copa/2014, nos fatídicos 7 X 1:

 

                        Perdendo de 7 X 0!


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