Não se conhecia maldades na casa de minha infância. Havia, logo à frente, do outro lado da rua, um imenso capinzal onde se criava vacas. A rua era nosso campinho de futebol, bola de meia, raramente de borracha. No quintal, um pé de limão e um outro de doces siriguelas, tudo vigiado por Tupã, amigo fiel de meu pai. Na tentativa de salvá-lo, quando um dia o cão caiu no cacimbão, meu pai perdeu sua Parker 51, de estimação, que escapuliu do seu bolso para fazer companhia a Tupã. Mas o melhor daquela casa é que existia, no quarto, uma cômoda antiga, escura, quatro gavetas, sobre a qual eu folheava, escondido de minha mãe, a Revista do Rádio, detendo-me na coluna em que se via vedetes daquele tempo, como Virginia Lane e Renata Fronzi, com pouquíssima roupa para os padrões da época. Que belas coxas tinha a Lane. Quantos sonhos sonhados com a Fronzi. Belos joelhos. Joelhos e coxas: tudo que nos era permitido ver. Não havia Playboy, nem Ele e Ela: apenas uma tal de Status, precursora das duas, mas recatada em relação a estas. Eram outros os tempos, sem internet, sem WhatZap, sem redes sociais. Nosso telefone, preto, pendurado na parede, se resumia a um 3-20-26. Televisão, só a do vizinho, onde víamos Renato Aragão em preto e branco, às quartas-feiras, antes de ele ir ser famoso no Rio de Janeiro. E era só. Bastava-me a Revista do Rádio, de periodicidade mensal. Um mês de espera pelas fotos das vedetes que enfeitavam meu pensar. No mais, era escola, bola de meia e inocência plena à espera da nova Revista, no final de cada mês, na casa 142 da Francisco Parreão, em frente ao capinzal, onde jogávamos bola sentindo o aroma de bosta das vacas que ali moravam.
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