REVELAÇÃO
Humberto de Campos
"A recordação de um primeiro beijo de homem, mesmo quando recebido contragosto, transforma-se no espírito da mulher virgem em desejo tenaz, absorvente, imperioso de o repetir, de renovar a sensação daquele delicioso pecado” — COLETTE WILLY
Com os olhos vermelhos de chorar, e com tremores de susto por todo o corpo delicado, a loura Mariazinha penetrou no gabinete do pai, em cujos braços se atirou, desatando em soluços. Trazido um copo d’água, e serenados os seus nervos exaltados, ainda, pelo terror, a moça contou, a custo, com o rosto nas mãos, o caso inominável.
— Eu vinha, — soluçava, entrecortando as palavras, — eu vinha da aula de música, sozinha, com a pasta debaixo do braço, quando, ali, na rua Paissandú, perto da praia, um sujeito se aproximou de mim, pelas costas, e, pondo o braço no meu pescoço, curvou-me para trás, e...
— E... — interrompeu o pai, com a agonia no coração.
E a moça, terminando, com dificuldade:
— Deu-me um beijo na boca, e correu, no rumo da praia!
O caso havia sido, realmente, assim, mas o Comendador insistiu na explicação:
— E tu não o conheces?
— Não, senhor. É um rapaz alto, de roupa clara, chapéu de palha, que eu não sei quem é. Se, porém, o encontrar, eu o reconhecerei. Intimamente aborrecido com aquela aventura da filha, o Comendador deliberou punir o atrevido, prometendo à menina, entre carícias afetuosas:
— Deixa estar, sossega. Esse patife há de ser castigado. De agora em diante eu passarei a acompanhar-te, e, onde o encontrares, eu quero que mo apontes.
E, entre dentes:
— Patife!
Passada a primeira emoção, em que o seu pudor de criatura ingênua, de botão desabrochando para a vida, se patenteara com toda a violência da pureza sem simulações, começou o instinto feminino a tomar o seu lugar no espírito da moça, entre cogitações que a alarmavam. Aquele beijo, roubado por um desconhecido, revoltara-a, indignara-a, enchera-a de ódio, na ocasião. À medida, porém, que o tempo se passava, parecia-lhe que aquela carícia brutal aflorava, de novo, na sua boca, numa fome angustiosa de repetição. Debalde, passando a mãozinha pelos lábios, ela procurava escorraçar, afastar, dissipar aquela lembrança. Esta voltava, entretanto, persistente, continua, teimosa, e de modo tal que ela própria já buscava conservá-la no pensamento, como se conserva uma flor encantada, cuja árvore se viu morrer no caminho.
No dia seguinte, após uma noite de angústias deliciosas, em que se casavam, substituindo-se, o pudor e o desejo, foi com desprazer, e com um susto mal definido, que a mocinha ouviu, recompondo com coquetaria os finos cabelos de ouro sob o lindo chapéu de palha de Itália, o convite paterno:
— Mariazinha, estás pronta?
— Já vou, papai! — respondeu a moça, de dentro, dando os últimos retoques na "toilette", diante do toucador.
Durante uma semana o Comendador acompanhou a filha, acima e abaixo, da cidade até o palacete, e do palacete à cidade, sem que ela descobrisse o seu insolente desrespeitador. E se o velho capitalista sofria com essas caminhadas, com essas idas e vindas fatigantes, mais padecia, ainda, a menina, cujos olhos se foram cercando de um halo escuro, denunciador evidente das penosas noites de insônia.
Uma tarde, enfim, ao sair com o pai, a um passeio na praia Mariazinha tomou um susto, que a fez parar, branca, de cera, no gramado por onde ia: diante dela, em um grupo de rapazes, estava, de pé, o estroina, que lhe acordara a alma adormecida na inocência, furtando-lhe na árvore virgem dos lábios o fruto venenoso daquele ósculo! Voltando a si, a moça, como num delírio, não se conteve:
— É aquele, papai! gritou, batendo as mãos geladas pela emoção.
E, atirando-se ao pescoço do rapaz, cobriu-o doidamente, furiosamente, desesperadamente, de beijos...