RIO - Quem costuma acompanhar as listas de mais vendidos tomou um susto. Entre os dias 13 e 19 de abril, Jane Austen superou “A sutil arte de ligar o foda-se”. No ranking elaborado pelo portal de notícias do mercado editorial PublishNews, que O GLOBO publica semanalmente, o box com três livros da romancista inglesa apareceu em 12º lugar na categoria geral. Enquanto isso, o best-seller de Mark Manson, título mais vendido de 2018 e 2019, saiu subitamente do grupo dos 20 primeiros. Desde o início da quarentena, em março, coisas assim andam acontecendo. E os clássicos estão voltando.
Em diversas listas, “Drácula”, de Bram Stocker, e “Guerra e paz”, de Leon Tolstói, além dos boxes de Franz Kafka e Edgar Allan Poe, tiveram performances surpreendentes. O mesmo aconteceu com obras icônicas que refletem os temores do momento, como “A peste”, de Albert Camus, e “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez. Paralelamente, distopias como “1984”, de George Orwell, que já vinham bem há algum tempo, ganharam ainda mais fôlego.
— O fechamento das lojas mudou completamente o perfil das vendas — diz Rafaella Machado, editora do Grupo Record. — O público que tem comprado livros via e-commerce é mais velho, e livros pop e juvenis, que dependem de grandes redes ou de eventos para vender, tendem a ficar em segundo plano. O que está sustentando o mercado agora é a força do catálogo, os livros já consagrados e os clássicos.
Publisher do grupo Companhia das Letras, Otávio Marques da Costa resume o cenário:
— Editoras com um catálogo amplo e diverso têm a chave para sobreviver a esta crise. Como é natural que as empresas reduzam a produção, quem possui uma variedade maior de publicações consegue reagir ao presente e encontrar, no catálogo, títulos que tenham ressonância com o presente. Assim, navegam melhor na crise.
A migração para o e-commerce afeta hábitos de consumo e, por consequência, o produto final que acaba no nosso carrinho virtual. O consumidor tende a sentir-se mais atraído pelo conteúdo do livro do que pelo apelo de sua capa, aposta o conselheiro editorial Eduardo Vilela.
— Em uma loja, quando estou pegando o livro nas mãos, a compra por impulso é muito mais forte — ele diz. — Na internet o foco muda, o comprador tem mais tempo para refletir se realmente precisa do produto.
‘Livros do coração’
Novos hábitos de consumo, porém, não são suficientes para explicar a “vingança” do fundo de catálogo. O cenário geral do mercado editorial, que se encontra num momento dramático, mudou as regras do jogo. Com as incertezas econômicas, as pessoas passaram a poupar dinheiro. E os livros nem sempre aparecem no topo das prioridades, lembra Bruno Mendes, CEO e fundador do #coisadelivreiro, além de sócio do PublishNews. Um clássico, porém, é um clássico.
— As pessoas estão se programando para ler na quarentena o que sempre esteve na fila mas era constantemente adiado — conta Daniel Louzada, proprietário da Livraria Leonardo Da Vinci, citando o que nota nas vendas da empresa via site, WhatsApp e redes sociais, onde obras de Gabriel García Márquez, Fiódor Dostoiévski e José Saramago estão entre as mais buscadas hoje.
Às vezes, porém, os “veteranos” são mais recentes. A Intrínseca detectou o interesse de seus leitores voltando-se para obras lançadas há cerca de um ano, como “Um lugar bem longe daqui”, “O labirinto do fauno” e “Pequenos incêndios por toda parte”.
— Percebemos também uma volta dos “livros do coração”, ou seja, aqueles pelos quais as pessoas têm afeto. É o caso dos livros do Rick Riordan e da série “Crepúsculo”. Mas também de clássicos da Intrínseca, como “Precisamos falar sobre o Kevin” e “A menina que roubava livros”. As pessoas estão voltando a histórias confortáveis — avalia Heloisa Daou, diretora de marketing da editora. — Esse movimento foi tão forte que mudamos nossa estratégia digital e estamos resgatando obras assim nas nossas redes sociais e em parcerias com blogueiros. Deu certo e as pessoas estão comprando.
Primeiras posições
Bruno Mendes lembra que, antes, para ficar no primeiro lugar geral no ranking brasileiro, um livro precisava vender entre 5 mil e 10 mil exemplares. Agora, como as vendas estão muito menores e mais pulverizadas, as primeiras posições variam muito facilmente.
— Livros que vendiam 4 mil exemplares estão vendendo 200 — compara a agente literária Lucia Riff. — A venda se espalhou entre e-book e catálogo, não tem mais a livraria, está completamente on-line. Mudou a maneira de comprar livros, há muitas promoções e campanhas das livrarias, há um outro perfil de venda, de comprador, mudou tudo.
Ou seja, há menos consumo, e quem está comprando tem escolhido livros que noutros tempos não ocupariam a lista geral. Sem a pressão das novidades, é a vez dos consagrados. Ou você não anda de olho na lista de “leituras imperdíveis para a quarentena”?