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Os desenhos de Wallace da Silva Sousa são realistas , parecem verdadeiros retratos: talento de família
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Quem vê as mãos do brasiliense Wallace da Silva Sousa dando vida a desenhos tão realistas, que mais se parecem fotografias, não imagina que elas se revezam diariamente entre o lápis e o esfregão. Nascido em Ceilândia e criado no Riacho Fundo 2, o desenhista de 27 anos respira arte, mas paga as contas trabalhando como funcionário da limpeza no Senado Federal.
Ele conta que começou a desenhar ainda na escola, inspirado em mangás japoneses e grafite. Mesmo sem incentivo, recursos e orientação de profissionais da área, passou a se dedicar ao realismo, aprimorando as técnicas sozinho, lendo livros e assistindo a videoaulas.
Na contramão de como descobriu e aperfeiçoou as habilidades, transmitiu os conhecimentos em sala de aula, atuando em escolas públicas no Riacho Fundo 2 e no Guará. Também ensinou desenho a crianças com síndrome de Down, hiperatividade e deficit de atenção, além de dar aulas particulares (muitas vezes, de graça). Um dos estudantes que teve acesso aos ensinamentos, Décio Ferreira, 39 anos, garante: “Ele me ajudou muito, principalmente a ter mais foco no desenho, dedicação e, acima de tudo, paciência. É um excelente desenhista”.
O talento, como Wallace mesmo descreve, está no sangue. Todos os três irmãos desenham. O pai também tem habilidade na área. “Acho que o dom é de família”, ri. No sofá de casa, a criatividade precisa ser usada para além dos quadros. Sem condições financeiras de comprar uma mesa de trabalho, o artista se vira como pode para achar uma posição confortável e viável para fazer as obras.
O portfólio inclui desde retratos de famosos — como Julia Roberts e Will Smith — a reproduções de fotografias de anônimos, incluindo um menino negro chorando e um idoso sem-teto. Mas se engana quem acha que ele quer seguir carreira na arte. “Está, e sempre estará, permeando minha vida como uma forma de me expressar e pela qual encontro libertação”, afirma.
O que ele quer mesmo é ser psicólogo. Para tanto, matriculou-se em uma faculdade na Asa Sul. Apesar de ter conseguido uma bolsa de 50% de desconto com a nota do Enem, não tinha condições de manter as mensalidades em dia. Procurava aos quatro cantos um emprego ou estágio e ganhava um dinheirinho dando aulas particulares de arte e vendendo os trabalhos. Mas não foi o suficiente.
Por ser bastante querido pelos colegas e conhecido por fazer intervenções propositivas durante o curso e ajudar tirando as dúvidas nas disciplinas, a turma se juntou para pagar uma das prestações que estava atrasada. “Wallace nunca faltava uma aula. Quando começou este semestre e ele não apareceu, todos estranharam. Quando soubemos que ele não tinha renovado a matrícula, parecia que tínhamos perdido alguém. Foi um inconsciente coletivo que mobilizou todos”, detalha o amigo de curso Evandro Ribeiro, 37.
Mesmo com o esforço, que também contou com a participação de amigos da igreja, Wallace estava sem perspectiva de juntar dinheiro para os próximos meses e se viu obrigado a trancar o curso. Até que, finalmente, há seis meses, conseguiu uma oportunidade de trabalho em uma empresa terceirizada no Senado. Agora, quita as dívidas com a faculdade e, no próximo semestre, pretende voltar aos estudos. “Torcemos muito para que Wallace volte logo. A nossa sociedade precisa de atores com ele. Além de ser notório o potencial para a carreira, é um agente ativo, que eleva o nível dos debates e nunca mede esforços para ajudar a todos”, diz Evandro.
Durante os intervalos
O material de criação não fica parado em casa. Para concluir os retratos, que chegam a levar uma semana para ficar prontos, Wallace aproveita os momentos livres na limpeza para se debruçar sobre o papel. Foi assim que, aos poucos, servidores foram descobrindo o talento dele e fazendo pedidos. Até agora, ele recebeu três encomendas. “Para desenhar no realismo, é preciso muita paciência. Às vezes, a gente fica afoito para ver o resultado imediato e ele não sai como esperado, e a gente acaba se frustrando. Mas, quando a gente tem calma, consegue evoluir e se adaptar”, declara.
A rotina do artista não é fácil. Para estar no trabalho às 7h, ele acorda às 4h e vai para a parada, onde pega um ônibus para a Rodoviária do Plano. No percurso, caderno de desenho nas mãos sempre. Depois, outro ônibus rumo ao Congresso. São cerca de duas horas de viagem, o que se repete no fim da tarde. “O ônibus está sempre lotado; então, o jeito é ir em pé mesmo. Às vezes, eu faço cara de triste para ver se alguém tem dó de mim e leva as minhas coisas no colo, mas nem sempre dá certo”, descreve Wallace com bom humor.
O humor, aliás, é facilmente notado por quem conversa com ele. Outra característica que não passa despercebida é a humildade. Nos planos futuros do rapaz, não está fama ou reconhecimento. O sonho dele é ajudar a comunidade. “Tenho o objetivo de montar uma escola que valorize as diversas manifestações artísticas de maneira a explorar a capacidade de cada um, dando mais oportunidade para jovens e crianças. Um projeto social”, imagina.
Com o trabalho e a formação em psicologia, ele espera alcançar comunidades carentes do DF por meio da arte que, para ele, não é tratada como prioridade pelos governantes, o que prejudica a formação do indivíduo. “Quando o indivíduo não tem chance de experimentar uma pintura, uma música, uma dança, um filme, ele não abre novos horizontes, não se alimenta, não se completa, não se entende. É fundamental que nossos líderes e governantes vejam isso para honrar os próprios princípios constitucionais. Afinal, a arte é democrática e não reconhecer isso só demonstra que ela está fazendo falta na vida dessas pessoas.”