Em março de 2011 escrevi uma crônica, baseada em fatos, que ilustra um pouco as diferenças e semelhanças culturais entre brasileiros e norte-americanos. Este ano, tendo a oportunidade de viajar novamente aos Estados Unidos da América, encontrei lá o personagem principal da história, que fez a gentileza de me mostrar o local onde tudo aconteceu.
Foi divertido relembrar o fato, o qual não presenciei, mas, segundo ele, narrei com uma riqueza de detalhes como nem ele próprio seria capaz de fazer.
Busquei então a crônica no Google, mas não encontrei mais o texto. Assim, republico-o a seguir, sem nada acrescentar ou omitir.
* * *
Nesses dias que antecedem a chegada do presidente Barack Obama ao Brasil – escrevo no dia 16 de março de 2011 – lembrei-me de uma história que ilustra um pouco as diferenças e semelhanças entre o estilo de vida americano e o brasileiro.
Devo advertir, porém, que esta não é uma obra de ficção. Um ou outro detalhe até pode acabar sendo suprimido ou acrescentado, mas essas pequenas alterações serão decorrentes apenas das limitações da memória deste escriba ou da necessidade de dar um pouco mais de carga emocional a algum ponto da narração, fazendo dela uma “verdade melhorada”, expressão que aprendi com Jessier Quirino em outra ocasião.
No mais, os fatos aqui narrados pretendem ser reais ou, pelo menos, fiéis à versão que me foi transmitida pelo seu principal personagem, o americano Paulo Rodrigues, que, apesar do nome familiar aos nossos ouvidos brasileiros, nasceu naquele país do norte e mora em uma pequena cidade do Condado de New Haven, no Estado de Connecticut. Nossa amizade decorre do fato de ele ser casado com a brasileira Roberta, que é irmã de minha esposa.
Pois se deu que, em uma fria tarde de inverno, meu amigo Paulo estava voltando para casa quando precisou parar e fazer algumas compras. Como estava nevando, pensava em demorar o mínimo possível na loja e seguir imediatamente para casa, mas ficou ali o suficiente para, ao sair, encontrar o carro coberto de neve.
Até aí, tudo bem. Um pouco de neve não seria um grande incômodo. Os problemas de Paulo começaram quando ele, antes de entrar no carro, passou a mão no pára-brisa, tentando limpar a parte por onde pretendia enxergar. Nesse movimento, a aliança de casamento, que estava um pouco folgada, escorregou do dedo, quicou sobre o capô do veículo e foi mergulhar na camada de neve que cobria o chão do estacionamento.
É claro que a pequena auréola de ouro afundou imediatamente no solo branco e frio. É claro também que, seja no Brasil ou em Connecticut, perder a aliança de casamento é algo bem mais complicado que perder uma caneta ou um anel de formatura.
No caso, Paulo sabia que Roberta dificilmente acreditaria em histórias absurdas, de anéis que fogem dos dedos e se escondem na neve. Então, sem pensar duas vezes, ajoelhou-se no local onde presumivelmente a aliança havia caído, e pôs-se a revirar a neve em busca do valioso objeto.
Passados alguns minutos de busca infrutífera, tudo o que Paulo conseguiu foi chamar a atenção de um policial, que passava pelo local em sua viatura e achou a atitude suspeita.
– Hey, guy! O que você está fazendo com a cara enfiada na neve desse jeito? – interrogou o policial.
Paulo explicou com cuidado. Temia que o guarda não o levasse a sério ou achasse que ele estava escondendo algo. Para sua surpresa, ao terminar de ouvir sua história, o policial pôs as duas mãos atrás da cabeça e exclamou:
– Oh, my God! Se sua mulher for ciumenta como a minha, you’re fucked!
Paulo nada respondeu. Apenas acenou positivamente com a cabeça. Enquanto isso, o policial pegou o walk-talk que carregava preso ao uniforme e pediu reforços. Logo toda a área, em um raio de cinco metros em torno do carro, estava isolada por fitas amarelas, daquelas que se vê nos filmes de Hollywood.
Um policial revolvia a neve com uma espécie de ancinho – ou rastelo, ou ainda ciscador, como preferimos chamar no Ceará – e outro chegou munido de um detector de metais. Por causa do frio, poucas pessoas tentavam se aproximar do teatro de operações, mas as que o faziam eram imediatamente orientadas a manter distância.
Ao cabo de vinte e dois minutos de busca, a aliança era encontrada e posta novamente no dedo do seu proprietário, motivando gritos de comemoração, abraços e aplausos. Como a comemoração de um gol, ou, para ser mais conforme o país onde se deram os acontecimentos, um touchdown!
O certo é que a expressão de alívio de Paulo, e a grande comemoração dos policiais, era a demonstração de que, apesar de haver grandes diferenças entre lá e cá, como o clima e o trabalho da polícia, há uma grande semelhança em relação ao ciúme das esposas e o medo que os homens têm de despertar sua fúria.