O cenário dos principais reservatórios de Brasília mudou completamente nos últimos meses. Quem passa pela BR-070 fica admirado com o paredão de água abundante que forma uma espécie de cachoeira. A barragem do Descoberto — que abastece 64% da população do Distrito Federal — está com nível a 100%, desde 15 de fevereiro.
A cheia é uma garantia de que não faltará água durante o ano, ao contrário do que aconteceu na crise hídrica de 2017. No auge do racionamento no DF, o reservatório chegou à porcentagem de 5,3% (7 de novembro de 2017). Segundo dados da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa), a máxima desse período foi de 56,4%, bem diferente dos números atuais, que vêm crescendo ano a ano.
Em 2018, a mínima foi de 30,5% e a máxima, 100%. Já em 2019, os números ficaram em 61,1% e 100%, respectivamente. Os níveis de 2020 cresceram ainda mais: 74,9% (mínimo) e 100% (máximo). Este ano, de acordo com a Adasa, o menor percentual foi registrado em 2 de janeiro: 81,8%.
O reservatório de Santa Maria/Torto começou a verter em 14 de fevereiro. No ano passado, o evento ocorreu no fim do mês de fevereiro. Já em 2019, começou apenas em maio. Com nível a 97%, o Santa Maria é responsável por 27% do abastecimento do DF.
O mês de fevereiro bateu recorde de chuvas na capital. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que o acumulado para o mês é o maior desde 1962. Apesar da abundância, é importante alertar a população para o uso consciente da água, pois o volume usado por cada morador pode impactar diretamente no abastecimento à população, tendo em vista que o período de chuvas no DF deve demorar a retornar.
MoradoresNo Núcleo Rural Boqueirão, localizado próximo ao Lago Paranoá, desde que as comportas foram abertas, em 18 de fevereiro, o rio às margens das chácaras está bem mais cheio do que o normal. A cheia não mudou só o cenário, mas a rotina das pessoas do local. Se antes os moradores podiam atravessar de um lado para o outro a pé, agora, uma pessoa de 1,80m de estatura não consegue passar pelo rio andando.
O pedreiro aposentado Jazon Dias, 58 anos, tem a casa mais próxima no nível da água na região. Nem mesmo as chuvas intensas desanimam o senhor que tem o rio como o “quintal”. Ele, que é natural de Brasilândia, em Minas Gerais, diz ter encontrado um pouco de sua terra natal no Boqueirão. “Eu nasci em um lugar muito parecido com este. Muita água, peixes e natureza. Quero continuar aqui, é onde me sinto bem”, conta o aposentado.
Morando sozinho na casa de um cômodo, ele diz que pretende construir uma residência nova e trazer a companheira — que mora no Paranoá — para dividir o lar. “Vou fazer um lugar bem bonito e buscar minha mulher para morar aqui. Ela não vem agora porque não tem muita estrutura. Mas, em breve, vamos providenciar a mudança dela também”, celebra.
Seu Jazon conta que passa os dias plantando, cuidando das galinhas e pescando no rio que fica no fundo de casa. Recebendo alertas diários da Defesa Civil e bombeiros em relação ao nível da água, ele afirma tomar os cuidados necessários para permanecer ali. “Aqui é tranquilo. Paz total. É a minha casa.”
A dona de casa Maria dos Milagres Ferreira, 51 anos, se mudou para o núcleo rural com o objetivo de recomeçar a vida. Ela morava no Paranoá, mas perdeu o filho assassinado a tiros, no meio da rua, há quatro anos. Longe das lembranças ruins e da violência da cidade vizinha, Maria afirma ter encontrado a paz que precisava na região que, de tão silenciosa, possibilita aos moradores ouvir o barulho das cascatas de água ao longe. “Aqui é muito tranquilo. Os vizinhos se conhecem, ninguém mexe nas coisas de ninguém. É um lugar muito calmo”, diz.
Ao lado da natureza, da melhor amiga, Maria Helena Araújo, 54, e do cachorrinho Scooby, ela relata que costuma entrar no rio para tomar banho e pescar. “Quando o nível da água está bom, a gente atravessa para o outro lado, fica na água, é muito bom.” Sobre as chuvas intensas, Maria dos Milagres diz que tem medo, mas que toma cuidado nesse período: “A gente entrega na msão de Deus”.
A diarista Cícera de Jesus Silva, 48 anos, também trocou a cidade pela área com o objetivo de se afastar das lembranças ruins. Assim como o companheiro Henrique Silva, 68, gosta do silêncio nos dias úteis e da animação de um bar, localizado a poucos metros de casa, nos fins de semana. “Os vizinhos vêm para esse bar, que toca muita música. É bem animado, todo mundo aqui se conhece”, destaca Cícera.