Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Correio Braziliense segunda, 11 de dezembro de 2023

RACISMO: CONCEIÇÃO EVARISTO PÕE DEDO NA FERIDA DO FALAR DO RACISMO CONTEMPORÂN EO

 

Conceição Evaristo põe o dedo na ferida ao falar do racismo contemporâneo

Escritora traz na sua obra as vivências do povo negro brasileiro. Ao Correio, ela falou da importância da educação em sua trajetória, da demora em ter o merecido reconhecimento pelo trabalho e do racismo no meio intelectual

A escritora Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte, no ano de 1946 -  (crédito: Divulgação/Aline Macedo)
A escritora Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte, no ano de 1946 - (crédito: Divulgação/Aline Macedo)
Foto de perfil do autor(a) Naum Giló
Naum Giló 
postado em 10/12/2023 06:00 / atualizado em 10/12/2023 09:05

Conceição Evaristo é uma das escritoras mais cultuadas da literatura brasileira na atualidade. O reconhecimento veio muito depois de um longo caminho percorrido no mercado literário, que começou em 1990, com publicações de contos e poemas na série Cadernos Negros. De lá para cá, a mineira tornou-se um dos símbolos da luta pelo reconhecimento dos conhecimentos produzidos pela população negra.

 
Livros como Olhos d'água (2014), pelo qual ganhou o Prêmio JabutiPonciá Vivêncio (2003) e Canção para ninar menino grande (2018) também compõem sua aclamada obra. O mais recente lançamento é Macabéa: flor de mulungu, um convite da Oficina Raquel para reescrever personagens presentes no trabalho de Clarice Lispector.

"Escrevivência", termo cunhado por Conceição, extrapola a experiência individual do sujeito. Ela é porta-voz das dores de toda uma coletividade e uma força contra o epistemicídio, termo relacionado à morte da construção do conhecimento, causada pela imposição de uma cultura dominante. "Hoje, pessoas brancas também estão discutindo e propondo ações contra o racismo. Não fazem mais do que a obrigação", avisa. A escritora é doutora em letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e não admite que sua história reforce ou seja usada como exemplo para o discurso da meritocracia. 

Em Becos da memória, a senhora fala muito em pôr o dedo na ferida, não apenas na do povo oprimido, mas na daqueles que oprimem também. Como é o processo de criação literária imergindo nessa dor?

Eu acho que esse processo de criação literária colocando o dedo na ferida se realiza através de uma literatura que não é só de entretenimento. A escrevivência não é para adormecer a casa grande, mas sim para acordá-la dos seus sonhos injustos. Eu diria até que eu tenho um projeto literário que ficcionaliza a vida a partir de uma experiência da própria vida. Trazer essa realidade é pôr o dedo na ferida de quem percebe, de quem vive. A literatura brasileira traz histórias de vida, traz os povos, traz as mulheres e as mulheres negras. É uma literatura que tem compromisso com a realidade. Nós vamos ver várias obras interessantíssimas que tratam da realidade. Mas acho que o meu texto põe o dedo na ferida por trazer a realidade que a autoria vive de dentro. Ou vive a partir da sua experiência pessoal, ou a partir do seu lugar de pertença, do grupo social ao qual ela pertence, da condição étnica. É uma literatura que vem de dentro.

A personagem Maria Nova é porta-voz das dores de todas aquelas pessoas que a cercam. Isso casa muito com escrevivência, palavra cujo significado não se encerra apenas na aglutinação dos termos "escrever" e "vivência".

Maria Nova é uma menina muito curiosa, que gosta de ouvir histórias. Conceição também?

Aos 77 anos, ainda tenho muita curiosidade, que é o que dá para mim um dinamismo, uma potência de vida. Eu tenho uma curiosidade muito grande com relação à vida. Ainda quero experimentar muitas coisas, andar em muitos lugares, falar com muitas pessoas, ir além do que eu já fui. Ainda quero escrever muito.

A senhora falou recentemente que passou a se sentir viva após os 70 anos. 

Foi após os 70 que eu tive mais condições de vida. A minha literatura se difundiu mais, assim como o meu nome. Após os 70, tive muitas oportunidades que surgiram no campo da literatura. As pessoas falam que a vida começa aos 40, mas, para mim, foi aos 70. Claro que há um exagero nisso aí. Mas eu tenho ficado muito feliz com a minha fase de idade, tem sido muito frutífera. Aos 70 anos, eu não sequei. Pelo contrário: cada vez mais eu me potencializo.

Hoje, a senhora é uma das escritoras mais cultuadas do país. Como lida com a demora em ser reconhecida?

Dói perceber isso?

Não é uma dor que paralisa. Sem sombra de dúvidas, eu me coloco numa situação de gratidão ao reconhecimento que tenho hoje, mas não deixo de fazer essa crítica, porque essa crítica vale até para esse lugar de legitimação da literatura, da crítica literária, das pesquisas acadêmicas e da política de distribuição dos livros. É uma crítica necessária para que esse olhar para a produção negra seja mais amplo, para contemplar outros escritores negros.

A senhora se considera uma das forças pela interrupção do epistemicídio na produção intelectual brasileira?

Sim. Acho que venho trazendo na minha própria literatura outras percepções de mundo, outras compreensões da vida e críticas. É pensar o Brasil e a vida segundo a nossa perspectiva negra, que pode dialogar, inclusive, com a perspectiva que já está aí. Considero que o meu trabalho tem essa importância de criticar o epistemicídio e o memoricídio, que é o apagamento da memória que nós estamos construindo há séculos e que marca muito bem a nacionalidade brasileira.

Nunca discutimos tanto sobre raça no Brasil. Como a senhora enxerga esse amadurecimento em relação a um assunto que ignoramos tanto ao longo da história?

Para acreditar que o Brasil é uma democracia racial era preciso que a pessoa fosse muito alienada ou muito cínica. Acho que a sociedade brasileira está perdendo o seu cinismo e está ganhando a sua coragem de pôr o dedo na ferida, de não varrer o racismo para debaixo do tapete. Hoje, pessoas brancas também estão discutindo e propondo ações contra o racismo. Não fazem mais do que a obrigação. A busca pela solução do racismo brasileiro não é uma tarefa somente de nós negros, até porque não fomos nós que criamos o racismo. As pessoas brancas têm uma responsabilidade muito grande no modo das relações raciais brasileiras. São elas que estão no lugar do poder, mas não é só no poder financeiro, mas também cultural, definindo, nas academias, quem ganha ou não bolsa, são quem detêm as editoras e o poder de comunicação. Cada vez mais as pessoas têm que entender qual é o papel delas e quais são os seus privilégios. As discussões entre nós, negros, já está bem sedimentada. Acho que resta agora os brancos discutirem quais são as responsabilidades deles. Lembro de uma frase de Machado de Assis proferida após a abolição: "Emancipados os pretos, resta emancipar os brancos".

Como foi sair de uma origem pobre e chegar a um lugar de admiração?

Passou muito, prioritariamente, pela educação. Eu acho que a educação é um lugar que pode promover a mobilidade social, mas continuo afirmando: não para todas as pessoas. No entanto, o caminho mais propício para quem não vem de família que acumulou riquezas, para quem não tem herança, para quem não tem um futuro garantido, é a educação. Por isso, a educação tem que ter um projeto libertador, democrático, que esteja ao alcance de todas as pessoas, principalmente a educação pública. É uma mobilidade que ainda se dá para poucas pessoas.

As cotas raciais, dentro do seu limite, na sua visão, compõem um movimento que está começando a reverter essa situação?

As ações afirmativas mudaram a cara das universidades brasileiras. Mas ainda há alguns cursos em que as ações afirmativas precisam atingir mais esse público, como medicina, engenharia, arquitetura e artes plásticas. Para o público indígena, a defasagem é ainda maior. Ao colocarem mais pessoas afro-brasileiras nas universidades, indiretamente elas mudam os currículos, porque outros extratos da sociedade apresentam novas formas de saber, novas bibliografias, mas ainda é preciso de mais mudanças.


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