Quem é essa mulher que me acorda às seis horas da manhã e me beija com a boca de hortelã? Diz que é para me cuidar e me leva para nadar. Quem é essa mulher que todo dia ela faz tudo sempre igual? Depois do café da manhã sai com suas pastas embaixo do braço direto ao escritório e divide com o genro e a filha o trabalho de clientes em busca de seus direitos. Quem é essa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia? Quem é essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça? Quem é essa promotora que deixava sua casa, seu marido e filhos durante a semana para assegurar a Justiça no interior do Estado? Quem é essa mulher que poderia estar desfrutando de uma aposentadoria merecida, porém, reabriu o escritório e trabalha todos os dias? Quem é essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação? Quem é essa mulher síndica do prédio onde mora, administra com dedicação como fosse sua casa? Quem é essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora? Quem é essa mulher que percebeu dois pequenos coqueiros morrendo na praia, comprou dois pés de coqueiros, ela mesma reimplantou e os coqueiros cresceram viçosos sob sua vigilância? Quem é essa mulher que quando enxerga um lixo acumulado no meio da rua, telefona à Prefeitura para que venham limpar sua cidade. Quem é essa mulher que quando percebe o esgotamento sanitário vazando com a água em dejetos aciona a Casal para que possa consertar o bueiro fétido? Quem é essa mulher que cuidou do pai moribundo com amor e carinho, trouxe-o para sua casa, fez o que pode e o que não pode até o final de seus dias? Quem é essa mulher que leva comida a um cão abandonado no quintal de uma casa e nos dias de sábado dá banho e conforto ao pobre animal? Quem é essa mulher forte que não se deixa pisar? Quem é essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular? Quem é essa sertaneja de Major Isidoro que ama o linguajar matuto de seu povo, das danças, dos coloridos folguedos e folclores? Quem é essa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval? Quem é essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa, ou a amada Penedo? Quem é essa mulher brasileira, cidadã da pátria amada, idolatrada, salve, salve? Quem é essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora? Quem é essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes? Quem é essa mulher que paga a faculdade das filhas da secretária? Quem é essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância, conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando a fase madura da vida.
Quem é essa mulher que desde menina, gostou dos livros, dos estudos, que teve uma juventude feliz em sua Maceió e até New Jersey? Quem é essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Poucos anos depois entramos na Catedral Metropolitana trocando alianças. Essa mulher hoje completa 70 anos e o tempo não desfez sua beleza, continua tão bonita quanto a adolescente galeguinha bandeirante que encontrei um dia, acampada na praia do Pontal.
Sou um ser privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher divina, que toda noite me jura eterno amor, não me deixa dizer não, e me beija com a boca de paixão. Essa é minha mulher, minha amada, amante, timoneira do barco de nossas vidas; mas, nem tudo foi um mar de rosa. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos maremotos. Hoje navegamos em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares ou um porto final além do horizonte.
(Escrevi esta crônica para Vânia quando ela completou 70 anos, em agosto de 2018. Vou reeditá-la todos os anos, pelo resto da vida, no dia 22 de agosto, até o resto de meus dias, até ancorar no porto final; não está tão longe)