QUEIXUMES
Gonçalves Dias
I
Onde estás, meu senhor, meus amores?
A que terras – tão longes! – fugiste?
Onde agora teus dias se escoam?
Por que foi que de mim te partiste?
II
Não te lembras! Quando eu te rogava
Não te fosses de mim tão asinha,
Prometeste-me breve ser minha
Tua vida, que o mar me roubava.
III
Tão amigo do mar foste sempre,
Por que amigos talvez não achaste!
Nem carinhos, nem prantos te ameigam?
Nem por mim, que te amava, o deixaste?
IV
Vejo além o lugar onde estava
Tua esbelta fragata ancorada,
Mal sofrida jogando afagada
Do galerno que amigo a chamava.
V
Da partida era o fúnebre instante,
Breve instante de aflitos terrores,
Quando o mar traiçoeiro, inconstante,
Me roubava meus puros amores!
VI
Inda choro essa noite medonha,
Longa noite de má despedida!
Teu amor me deixaste nos braços,
Nos teus braços levaste-me a vida!
VII
Oh! Cruel, que então foste comigo,
Que te hei feito que punes-me assim?
Teu navio que tantos levava,
Não podia levar mais a mim?
VIII
Mas a mim! – que importava que eu fosse?
Não me ouvira a tormenta chorar,
E morrer me seria mais doce
Junto a ti, - que o meu triste penar!
IX
Junto a ti me era a vida bem cara,
Oh! Bem cara! – se ledo sorrias,
Se pensavas sozinho e profundo,
Se agras dores contigo curtias;
X
Eu te amava, senhor! – Nem podia,
Dentro em mim, convencer-me que fosse
Outra vida melhor, nem mais doce,
Nem que o amor se acabasse algum dia!
XI
Mas o mar tem lindezas que encantam,
Tem lindezas, que o nauta namora,
Tão bem dizem que vozes descantam
No silêncio pacato desta hora!
XII
São de ninfas os mares pejados,
Tão bem dizem que sabem magia,
Que suscitam cruel calmaria,
Só d’em torno dos seus namorados!
XIII
Alta noite, bem perto, aparece,
Como leiva juncada de flores,
Ilha fértil em fáceis amores,
Onde o nauta da vida se esquece!
XIV
Não te esqueças de mim! – Por Sevilha
Quando o peito de branco marfim
Perceberes na preta mantilha,
Sombreado por leve carmim;
XV
Quando vires passar a Andaluza
Pelos montes, com ar majestoso,
Decantando nas modas de que usa
As loucuras do Cid amoroso;
XVI
Quando vires a mole Odalisca
De beleza e de extremos fadada,
Respirando perfumes da Arábia,
Em sericos tapizes deitada;
XVII
Quando a vires co’a fronte bem cheia
De riquezas, de graças ornada,
Pelo andar do elefante embalada,
Que alta escolta de eunucos rodeia;
XVIII
Quando vires a Grega vagando
Pelas Ilhas de Cós ou Megara,
Em sua língua, tão doce, cantando
Seus amores que o Turco roubara;
XIX
Quando a vires no Carro de Homero,
Bela e grave e sisuda lavrando,
Pelos montes melífluos do Himeto
A parelha de bois aguilhando;
XX
Não te esqueçam meus duros pesares,
Não te esqueças por elas de mim,
Não te esqueças de mim pelos mares,
Não me esqueças na terra por fim!
XXI
Se eu fosse homem, tão bem desejara
Percorrer estes campos de prata,
E este mundo, na tua fragata,
Co’uma esteira cingir d’onda amara.
XXII
Qu’ria ver a andorinha coitada
Nos meus mastros fugida pousar,
E achar no convés abrigada,
Quando o vento começa a reinar!
XXIII
Ver o mar de toninhas coberto,
Ver milhares de peixes brincar,
Ver a vida nesse amplo deserto
Mais valente, mais forte pular!
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Oh! Que o homem fosse eu, mulher tu fosses,
Ou fosse tempestade ou calmaria,
Ou fosse mar ou terra, Espanha o Grécia,
Só de ti, só de ti me lembraria!
O mar suas ondas inconstante volve,
Sem que o seu curso o mesmo rumo leve,
Assim dos homens a paixão se move,
Falaz e vária, assim no peito ferve!
Meditados enganos sempre encobre
O mesmo que ao princípio ardente amava;
Oxalá não diga eu que me enganava,
Que teu peito julguei constante e nobre!
Oh! Que o homem fosse eu, mulher tu fosses,
Ou fosse tempestade ou calmaria,
Ou fosse mar ou terra, Espanha o Grécia,
Só de ti, só de ti me lembraria!