RIO - Sarah e Renato planejavam partir para os atóis do arquipélago Tuamotu, na Polinésia Francesa. Sandro e Isabela pretendiam velejar pelo Mediterrâneo. Sérgio e Dôra finalmente se mudariam para o barco que levaram 11 anos construindo. Tudo isso aconteceria em março de 2020, caso a tempestade do novo coronavírus não mudasse os planos de um planeta inteiro.
Atracados na Espanha
— A incerteza sobre quanto tempo a quarentena duraria foi o que mais nos angustiou. Além de ficarmos presos no mesmo lugar, que é o oposto do que esperamos quando vivemos no mar — conta Sandro Masseli, capitão do veleiro Amazônia, onde vive com a mulher, Isabela Almeida, e as cadelas Vick e Chica.
O casal passou a quarentena dentro do barco, num clube náutico na cidade de Burriana, ao lado de Valencia, na Espanha, onde estavam desde agosto de 2019. Passado o inverno no Hemisfério Norte, a ideia era zarpar dali em março, no começo da primavera, e navegar pelo Mediterrâneo. Sem a pandemia, hoje estariam na Grécia, e no fim do ano, atracariam na costa turca. O horizonte, que parecia tão amplo, ficou restrito ao píer que ocupavam.
O lockdown severo, adotado na cidade, permitia apenas o funcionamento de mercados e farmácia e restringia ao máximo a circulação de pessoas pelas ruas. Do barco, os dois acompanhavam também os aplausos que tomavam conta do país, toda noite, às 20h, em homenagem aos profissionais de saúde.
O Amazônia só voltou a velejar em 15 de junho, com o fim do confinamento no país. Sandro e Isabela estão agora nas Ilhas Baleares e pretendem seguir para a Sardenha, na Itália.
— A preocupação agora é saber se tudo voltará a fechar assim que passar o verão. Há sempre o risco de estarmos em um lugar não muito bom, ou termos que atracar na primeira marina que encontrarmos, e ficarmos novamente presos, sem saber quando poderemos viajar novamente — ressalta Isabela.
No fim do ano, se não forem atingidos por mais uma oda da pandemia, esperam cruzar o Atlântico em direção ao Caribe e, de lá, em 2021, rumo ao Pacífico Sul. O dia a dia do casal é registrado na conta do Instagram @viverporaremar.
Calmaria na Polinésia Francesa
Se tudo der certo, Sandro e Isabela encontrarão na Polinésia Francesa o Sail Ipanema, veleiro tripulado há cinco anos por Sarah Moreira, Renato Matiolli e o bull terrier Feijão. Os três passaram a quarentena ancorados em frente a uma praia na ilha de Moorea.
Passar a quarentena num paraíso tropical parece uma má ideia para você? O casal de velejadores garante que foi uma experiência de altos e baixos. O fato de estarem parados numa enseada natural permitiu que continuassem aproveitando o mar, mergulhando, pescando e nadando em volta do barco. Os passeios com o cachorro na praia também não pararam. Mas então, qual é a “maré baixa" dessa história?
— O confinamento já faz parte da nossa rotina, já estamos acostumados com isso. Mas não por tanto tempo. Sentimos muita falta do contato com outras pessoas. Só íamos ao mercado a cada duas ou três semanas, não podíamos encontrar outros velejadores e nem receber hóspedes — diz Sarah.
Outro aspecto negativo do período foi o aumento da desconfiança por parte dos moradores das ilhas em relação aos estrangeiros, vistos como propagadores da doença no país.
— Até entendo a reação deles, diante da gravidade da situação e a preocupação, principalmente com os mais velhos. Mas é uma mudança significativa, já que o povo polinésio sempre foi marcado por ser muito receptivo, principalmente com os velejadores — relata Renato.
A calmaria da quarentena impediu o casal de passar a temporada de março a julho nos atóis de Tuamotu, uma viagem que já não vale a pena ser feita nos próximos meses, por motivos climáticos. Há cerca de um mês, a circulação pelas ilhas foi liberada. Desde então, a rotina vai voltando ao normal aos poucos, com algumas viagens por perto e encontros com outros velejadores que, assim como eles, estavam saudosos de contato humano. Agora, o plano é continuar nos arredores de Morea e Tahiti, a ilha principal do arquipélago, onde fica o aeroporto internacional.
Batismo com ciclone em Santa Catarina
Sergio Danilas e Dôra Castanheira têm duas experiências de quarentena para contar. Uma, mais convencional, no apartamento do casal, em Curitiba. A outra, em Itajaí, bem mais emocionante, com direito a ciclone bomba, a bordo seu veleiro Ictus, que ainda nem navegou pela primeira vez.
Mas antes da ventania que tem atingido seriamente a Região Sul do país, o casal, como todo mundo, foi surpreendido pelo tsunami do novo coronavírus. A pandemia foi declarada poucos dias antes de o veleiro, que eles passaram 11 anos construindo, chegasse à Marina Itajaí. O barco efetivamente chegou ao litoral de Santa Catarina em 19 de março, no momento em que as medidas de isolamento social começavam a ser implementadas no estado.
— Quando ele chegou em Itajaí, já não se podia fazer nada. Na marina, nos informaram que ele não poderia ir para a água, e acabou passando um mês num pátio. Só no final de abril é que começamos a montagem efetiva do barco — conta Danilas, que se apaixonou pelas regatas há pouco mais de 20 anos e dedicou os últimos 11 à confecção do Ictus, que tem 40 pés (12,3 metros de comprimento), três quartos, dois banheiros, sala, cozinha e algumas peculiaridades, como um motor elétrico.
A mudança, de mala e cuia, só aconteceu em 9 de maio. E ali começou a segunda etapa do confinamento. Desde então, o casal se dedica a ajeitar a nova casa, respeitando as medidas de distanciamento social ainda em vigor na cidade. Na marina, por exemplo, só é permitido circular de máscara. Mas há tanto o que fazer dentro do barco que o tédio passa longe, segundo Dôra:
— Todo dia temos alguma coisa para arrumar, algum detalhe para acertar. Além disso, estamos curtindo o contato com a natureza e a ideia da liberdade que teremos assim que tudo isso passar. Antes ouvíamos o som dos caminhões passando na rodovia. Agora, é o barulho da água batendo no casco.
Quando voltaremos a navegar:os cruzeiros depois do novo coronavírus
O contato com a natureza se apresentou com força no começo deste mês, quando o ciclone bomba passou por Itajaí. Mas nada que tenha assustado muito o casal, que permaneceu dentro do barco, em segurança.
O histórico de atletas de alto rendimento dos dois tem ajudado a encarar o isolamento e a cumprir as rotinas a bordo com planejamento e disciplina, incluindo a série de exercícios físicos, dentro do barco. Ambos foram jogadores da seleção brasileira de vôlei. Danilas esteve nas Olimpíadas de 1976 (Montreal) e Dôra nas de 1980 (Moscou), 1988 (Seul) e 1996 (Atlanta) — nesta, como auxiliar de Bernardinho, então técnico da seleção feminina. Dôra também trabalhou no Comitê Organizador dos Jogos do Rio, de 2016, e inclusive emprestou sua voz para as gravações que indicavam as estações do metrô referentes à disputa de vôlei de praia.
Sem pressa, os dois, que acabaram de se aposentar fazem planos para quando a pandemia acabar e estiverem liberados para velejar. Primeiro, pelo belo litoral catarinense. Depois, por outras partes do Brasil. E, um dia, quem sabe, se aventurar em águas internacionais. A urgência maior vem de fora, especialmente dos cinco netos de Danila, doidos para conhecer a casa-barco do avô.