Provavelmente a saída de Sérgio Moro será, por alguns dias, o assunto mais comentado nas redes sociais. No meu entender pode até a nos levar esquecer a pandemia do covid-19 e isso é extremamente preocupantes porque só no dia 17 passado morreram 217 pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, por covid-19. Não vou nem entrar no mérito de que os dados estão inflados ou não. Sei que estamos, desde 16.03, presos em casa com a economia parada e sem sabermos quantos, quem são e onde estão os eventuais de contaminações assintomáticas. Saiu o Ministro da Saúde, mas o Brasil continuou e saiu o Ministro da Justiça e vamos continuar a vida, pois como diz o ditado “o cemitério está cheio de insubstituíveis”.
Temos que reconhecer que há uma grande diferença nessas demissões. Mandetta, como político, buscou capitalizar o papel pensando em 2022. Foi duro nas colocações – como uma resposta dada a um jornalista durante a coletiva -, incluindo as reuniões que teve com Bolsonaro na qual chegou a dizer que “os caminhões do exército estavam capacitados a carregar os mortos”. Depois de uma entrevista no Fantástico sentiu que tinha avançado demais e logo na segunda feira avisou aos seus auxiliares que seria demitido. A demissão de Mandetta só teve protesto por parte da esquerda.
O caso de Moro é mais emblemático. Como juiz da Lava Jato, Moro trouxe a crença para a população de que era possível colocar poderosos na cadeia. Era a constatação de que a corrupção dos governos anteriores tinha encontrado um combatente. Sua ação correu o mundo e seu convite para o Ministério da Justiça trouxe, para Bolsonaro, um apoio maciço de parte da população que não compactua com falcatruas. Inúmeros foram os movimentos em defesa de Moro e da Lava Jato de modo que, naturalmente, ele se transformou num pilar fundamental na continuidade do governo. Sua saída terá implicações sérias.
O primeiro impacto vem, quem diria?, da economia. Com o anúncio da entrevista de Moro, o dólar abriu o mercado a R$ 5,65 e num minuto chegou a R$ 5,72. Parece pouco, mas o mercado cambial vem sofrendo desde o final do ano passado. Embora o Banco Central faça leilão para reduzir a cotação, o efeito tem sido muito pouco e isso, pra mim, tem um significado muito forte: o mercado deixou de acreditar no governo. Em adição, a credibilidade conseguida no mercado externo vai ser duramente abalada. Por diversos motivos. O primeiro deles é que Moro alegou intromissão de Bolsonaro nas ações da Polícia Federal e fez isso publicamente, devidamente registrado por todos os canais de televisão. Não foi um desabafo. Foi uma acusação. Em segundo lugar, o papel do substituto será menosprezado porque quem aceitar o cargo passará a ideia de que vai atender as demandas particulares de Bolsonaro e vai frear a investigação da PF sobre acusações sobre Eduardo Bolsonaro com a propagação de fake news. O país volta para assumir o tal “jeitinho brasileiro”.
O cenário é caótico porque Bolsonaro não cumpriu metade do mandato e, salvo engano, sua saída do cargo implica novas eleições. Aí, vem o discurso da esquerda pra mostrar que seus adeptos são melhores. Há uma segunda implicação que vai fragilizar ainda mais Bolsonaro: a reação dos agentes da Policia Federal. Insatisfeitos com a saída do diretor e do ministro, eles podem começar a vazar informações que possam comprometer, ainda, mais os filhos do presidente.
No Brasil, o candidato a presidente perfeito deve ser filho único, com pais também filhos únicos ou já falecidos. Não deve ter tios, nem primos. Sem qualquer ascendente. Não deve ter filho, noiva ou namorada. Só poderá namorar, casar e ter filhos após cumprir o mandato. Deve ser auditada a ponto de ter cursado o ensino fundamental em casa, sem professor presencial. Deve ter cursado a graduação por EAD. Não ter amigos de infância. Qualquer violação desses princípios é uma brecha para corrupção.
Em linhas gerais, a conclusão lamentável que chego é que faltou sensibilidade ao presidente para perceber a dimensão do feito de ter derrotado a esquerda. Lógico, que não tenho bola de cristal para saber o que vai acontecer amanhã, mas tudo leva a crer que a decisão de impeachment fica mais forte agora ou vai crescer a pressão para renúncia. De qualquer modo, um fato importante que devemos lembrar é que os corruptos irão se aproveitar disso para voltar ao poder. Observemos se o STF vai apressar o julgamento de suspeição de Moro, já sinalizado por Gilmar que pautaria após o fim do isolamento, porque isso é a chave para anular a condenação de Lula e torná-lo capaz de concorrer novamente à presidência.