Para a publicidade brasileira, juntar num mesmo palco Roberto Medina, Nizan Guanaes e Washington Olivetto é como se Frank Sinatra se vestisse com uma roupa de leãozinho para dizer que o primeiro sutiã a gente nunca esquece.
O sucesso de Medina, Nizan e Olivetto está nessa capacidade de desenvolver ideias que ficam na memória coletiva por décadas. São os filmes do ator Carlos Moreno vendendo produtos da Bombril. É o axé “We are carnaval”, composto para uma campanha da Ótica Ernesto e que virou hit eterno das micaretas de Salvador. E é um dos maiores eventos de música do planeta, o Rock in Rio, que ganha no segundo semestre um irmão in São Paulo, o The Town, justamente onde os três publicitários e empresários irão se encontrar.
Looks que unem estilo e conforto para inspirar as produções do Rock in Rio
A reunião acontece em 5 de setembro, pelo The Town Learning Journey, um curso de 12 horas de duração, em que os alunos poderão conhecer as estratégias e o modelo de negócio do festival, além de ouvir histórias e trocar experiências com o trio. O curso inclui, ainda, uma visita guiada pela Cidade da Música, no Autódromo de Interlagos, e acesso a um dia do festival. Os ingressos podem ser comprados no site do evento.
O GLOBO conversou com os três e pediu que cada um recordasse as motivações e como foram desenvolvidas algumas de suas mais emblemáticas criações. Medina lembrou do Rock in Rio; da campanha de uísque e do show que trouxe Frank Sinatra ao Brasil; e da ação para a Caixa Econômica Federal que devolvia alianças empenhadas. Nizan falou sobre o show de Madonna patrocinado pela cerveja Antarctica; da música “We are carnaval”; e da campanha “Mamíferos”, para a Parmalat. Já Olivetto recordou do “Garoto Bombril”; do slogan para o sutiã da Valisère; e do cachorrinho dachshund que ajudava a vender o amortecedor da Cofap.
Washington Olivetto
O publicitário Washington Olivetto — Foto: Ana Branco/Agência O Globo
Para o paulistano Washington Olivetto, o essencial da propaganda é uma grande ideia. E ele teve muitas ao longo da carreira.
— Sem uma ideia, nada acontece — diz. — A grande ideia é aquela tirada da vida, transportada para a publicidade e devolvida para a vida. Só consegue ser um grande profissional de comunicação quem lê, ouve música, vai ao teatro, a exposições e ao cinema, assiste a esportes. Enfim, quem consome muita vida. É com a mistura de tudo isso que você cria uma boa publicidade e faz campanhas memoráveis.
Seguindo essa receita, Olivetto coleciona mais de 50 Leões de Ouro no Festival de Cannes na categoria Filmes. Sua antiga agência, a W/Brasil, foi tão popular que até virou música de sucesso de Jorge Ben Jor. São dele campanhas antológicas, como as do amortecedor Cofap, do Bombril e do sutiã da Valisère.
O primeiro sutiã
No livro “O primeiro a gente nunca esquece” (editora Planeta, 2008), Olivetto enumera milhares de citações em diversos meios e por diversas personalidades do ultrafamoso slogan criado por ele para a marca de lingerie Valisère. O comercial para TV, lançado em 1987, trazia a atriz Patricia Lucchesi, então com 11 anos, como uma mocinha que ganhava de presente seu primeiro sutiã. No final, uma voz em off dizia: “O primeiro Valisère a gente nunca esquece”.
O objetivo era rejuvenescer a marca Valisère. A frase foi utilizada literalmente ou com pequenas variações por nomes como Pelé, Ayrton Senna, Zuenir Ventura, Antônio Fagundes e Bruna Surfistinha. O fenômeno dura até hoje.
— Foi um filme delicado e doce. Ele mudou um pouco a história da propaganda no Brasil — afirma Olivetto.
Garoto Bombril
Foram 40 anos com o mesmo ator e os mesmos criadores. Em 1994, pela longevidade, entrou para o Guinness Book. Foi premiado, parodiado e tornou popularíssima uma improvável palha de aço. A campanha “Garoto Bombril” foi criada em 1978 quando Olivetto trabalhava na agência DPZ. Sua grande sacada foi fazer uma propaganda de produto de limpeza protagonizada por um homem — e não por uma mulher, como era o habitual para uma época machista que considerava cuidar da casa uma missão exclusivamente feminina.
Mas era necessário, claro, atingir também as mulheres, daí a escolha de um ator de traços delicados para aparecer olhando diretamente para os espectadores. O escolhido, Carlos Moreno, era urbanista,morava em Nova York e vinha ao Brasil só para gravar os comerciais.
Carlos Moreno, o garoto-Bombril — Foto: Divulgação
Com Moreno na frente da tela e Olivetto por trás da ideia, foram 399 propagandas de TV. Houve até filmes que mostravam participações especiais de outros garotos-propaganda célebres da publicidade brasileira, como o Sebastian (C&A) e o Fernandinho (do comercial “Bonita camisa, Fernandinho”, para a US TOP).
Cachorrinho da Cofap
A raça de cachorro dachshund foi praticamente rebatizada por uma ação publicitária. Olivetto já fazia campanhas para a marca de peças automotivas Cofap desde os anos 1970, especialmente os amortecedores, e ficou amigo de seu fundador, Abraham Kasinsky. Mas foi em 1989 que a marca ganhou um novo significado. Numa conversa com Roberto Kasinsky, filho de Abraham, Olivetto ouviu que um amortecedor parecia muito um tipo específico de cachorro:
— Fiquei pensando naquilo. E, realmente, se a gente trocasse o corpo do cachorro pelo amortecedor e deixasse apenas a cabeça e o rabo, ficava muito parecido. Além disso, havia uma relação entre as qualidades de um cachorro, que são cuidado e amizade, e o que queríamos mostrar de um amortecedor.
Cachorrinho da Cofap: propagando marcante no Brasil — Foto: Divulgação
O slogan utilizado foi “o melhor amigo do carro e do dono do carro”. O impacto foi tamanho, que os dachshund passaram a ser chamados de “Cofapinhos ”.
— O mais curioso é que a campanha atraiu também o público infantil, e os filhos começaram a acompanhar os pais para trocar o amortecedor do carro aos sábados, pedindo para ver o Cofapinho — conta Olivetto.
Nizan Guanaes
Nizan Guanaes — Foto: Divulgação/Léo Ramos/Sextante
O baiano Nizan Guanaes resume numa palavra em inglês de três letras o que melhor sintetiza o sucesso de suas campanhas: elas são pop.
CEO e fundador da consultoria de comunicação N Ideias, Nizan comemora quando suas criações viram “assunto de rua”. Isso vale para slogans, shows, músicas, vídeos ou qualquer simples iniciativas que ajude a projetar uma marca ou um conceito. É uma característica que o acompanha numa carreira que inclui a fundação das agências DM9DDB e Africa, do Grupo ABC de Comunicação e do portal IG.
— Meu principal conselho aos jovens é: estudem estratégia. Antes, a propaganda era a alma do negócio. Hoje a estratégia é a alma do negócio. Seja uma estratégia no LinkedIn, seja uma estratégia do TikTok, seja na TV, no rádio, no jornal. Não tem essa de mídia tradicional, o que existe é uso tradicional da mídia. Então, com estratégia, você consegue, por exemplo, fazer do anúncio de jornal um filme, disponível no QR Code estampado no anúncio impresso. Uma das coisas mais importantes do mundo hoje é a criação pensar em estratégia de mídia — diz Nizan, responsável por ações históricas como o primeiro show de Madonna no Brasil, os inesquecíveis bichinhos da Parmalat e o hit “We are carnaval”.
The Girlie Show
Em novembro de 1993, Madonna fez um show no Rio e outro em São Paulo, pela turnê The Girlie Show. Foi a primeira vez da estrela pop no Brasil, e tudo começou com Nizan. Na época, o publicitário tinha acabado de assumir a conta da cerveja Antarctica e precisava encontrar um jeito de enfrentar a então líder do mercado, a Brahma, com sua campanha “Número 1”.
— A Antarctica estava tomando um olé brutal da Brahma — conta Nizan. — Como eu não podia dizer que a Antarctica era a líder, saímos com o “Paixão Nacional”. Era uma outra maneira para posicionar a marca. E aí a atrelamos com todas as paixões do Brasil: feijoada, churrasco, carnaval e futebol.
Maddona veio ao Brasil como garota-propaganda de cerveja nacional para fazer show — Foto: Divulgação
Mas ainda faltava mais uma paixão para completar o álbum desejado por Nizan. Ele queria uma ação mais midiática para tornar a marca pop:
— Aí chamamos a artista mais importante do mundo na época, a Madonna. O slogan era: “Antarctica, paixão nacional, traz uma paixão mundial”. E o país inteiro passou a falar de Madonna. E da Antarctica.
‘Mamíferos’
Outro caso em que Nizan precisou inovar para encarar uma marca concorrente líder de mercado ocorreu em 1996. O filme para TV é inesquecível, começava com uma voz adulta cantando pausadamente “O elefante é fã de Parmalat” e terminava com uma criança fantasiada de gambá perguntando para outra com roupa de gatinho: “Tomou? ”.
— O coração da mãe já era da Nestlé, então percebemos que só dava para atingir o coração dos filhos. Filhos são o único fator que fazem uma pessoa mudar de comportamento, endereço ou cidade — conta o publicitário. — Vimos o trabalho de um fotógrafo americano que fazia imagens de crianças vestidas como plantas e animais, e achamos perfeito para a campanha: crianças como mamíferos.
— Foram vendidos 30 milhões de bonecos dos Mamíferos, e a Parmalat ficou líder do mercado — lembra Nizan.
‘We are carnaval’
Um famoso axé baiano nasceu numa ação publicitária de Nizan para a Ótica Ernesto, em 1988. Foi a música “We are carnaval”, com direito a um filme de TV com a participação de jovens cantores do naipe de Daniela Mercury, Margareth Menezes e Durval Lelis.
— Reunimos todos esses talentos num hotel, gravamos uma música que eu compus e, de cada óculos comprado na promoção, uma parte da venda ia para as obras da Irmã Dulce — conta Nizan. — A música ganhou vida própria e foi virando parte da cultura baiana. É um sucesso publicitário que migrou para o comportamento.
Roberto Medina
O empresário Roberto Medina — Foto: Ana Branco
Anfitrião do novíssimo festival The Town e criador da agência Artplan, o carioca Roberto Medina se transformou no maior nome da indústria de entretenimento do país. Ele participa de debates, é chamado para palestras e, por onde passa, atua como uma espécie de embaixador do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro.
— Se me pedissem para fazer uma campanha hoje, escolhendo qualquer produto que eu quisesse, seria o Rio — diz.
Ele se define como um resiliente que ficava até tarde da noite no trabalho tentando dar jeito em alguma ideia. Foi dessa perseverança que surgiram ações como o Rock in Rio, o show do Sinatra no Maracanã e a campanha de devoluções de alianças empenhadas pela Caixa Econômica Federal.
Devolução de alianças
Nos anos 1980, numa época de hiper-inflação no Brasil, era bastante comum o penhor de joias para conseguir empréstimos, feitos pela Caixa Econômica Federal.
— Eu falei: Gil, você não pode devolver as alianças que foram empenhadas? — recorda Medina.
As peças da campanha diziam “Leve sua cautela à agência de penhores e receba de volta, sem pagar nada, suas alianças de ouro”.
Sinatra no Maracanã
Nos anos 1970, Medina tinha acabado de conseguir um feito imenso para a publicidade brasileira: com 20 e poucos anos, contratara o ator britânico David Niven para um filme do uísque Passport em que ele falava que às vezes gostava de sua bebida “the Brazilian way, on the rocks”. Mas então perguntaram a ele o que viria a seguir para superar o impacto de Niven.
Medina respondeu: “Frank Sinatra”.
— Parecia impossível. Mas três meses depois eu consegui — lembra o publicitário.
Frank Sinatra, em show no Maracanã, em 1980 — Foto: João Roberto Ripper/Agência O Globo
O contato de um dos empresários de Sinatra foi dado por Sérgio Mendes, que vivia em Los Angeles. O GLOBO relatou na época: “Em poucos dias, Medina estava nos Estados Unidos, e, com US$ 200 mil, conseguiu colocar a imagem do maior cantor americano vendendo uma marca de uísque”.
— Foi um show muito emocionante. Ele disse que foi o maior momento da vida profissional dele — conta Medina. — E ali apareceu o primeiro virusinho de entretenimento na minha cabeça.
Rock in Rio
Em dez dias de festival, a Cidade do Rock original recebeu 1,4 milhão de pessoas. O ano era 1985, e as atrações internacionais incluíam Queen, Yes, James Taylor, AC/DC, Rod Stewart, Scorpions e The B-52’s.
Rock in Rio: Homem carrega mulher sobre poças de lama, em 1985 — Foto: Jorge Marinho/Agência O GLOBO
E aquilo tudo nasceu numa noite, na Barra da Tijuca, dentro da cabeça de Medina.
— Foi uma intuição, não foi planejado. A democracia estava voltando para o Brasil, e eu queria fazer um movimento para a juventude. Nunca pensei em fazer o projeto para vender e ganhar dinheiro — recorda o publicitário. — Eu não sabia a via-crúcis que estava inventando.
O primeiro desafio foi pagar a conta, e Medina foi atrás das marcas. Ele conseguiu que a Brahma entrasse como principal patrocinador, e teve que construir um duto especial na Cidade do Rock para transportar a cerveja para tanta gente.
O resto está amplamente documentado na lembrança de quem foi e de quem não se cansa de ouvir falar do coro de dezenas de milhares cantando “Love of my life” com Freddie Mercury, da lama dos dias de chuva e de como foi especial perceber que o Rio tinha a capacidade de receber um evento imenso como aquele.
Desde então já foram 22 edições (algumas na Europa, uma nos EUA), 11,2 milhões de pessoas nas plateias, 3.816 artistas escalados, 130 dias de shows e 28 mil empregos gerados pelo Rock in Rio.