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Para Gerlinei dos Santos, 36 anos, as pessoas mais pobres sofrem mais com os impactos econômicos provocados pela pandemia
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Pessoas em situação de vulnerabilidade no Distrito Federal devem contar, em breve, com um auxílio financeiro emergencial para enfrentar o momento de crise econômica provocado pela pandemia do novo coronavírus. Conforme antecipou ao Correio em entrevista na sexta-feira, o governador Ibaneis Rocha (MDB) enviou ontem à Câmara Legislativa um Projeto de Lei que prevê a criação do Programa Renda Mínima Temporária. A expectativa é de que a medida contemple 28 mil famílias não atendidas por outras iniciativas de transferência de renda, como Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou Bolsa Família.
Se aprovado, o programa do Executivo local atenderá quem tem renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (R$ 522,50). Os valores serão pagos em duas parcelas de R$ 408, durante os dois meses de programa, com possibilidade de prorrogação para três. O Banco de Brasília (BRB) fornecerá um cartão para os beneficiários, mas a quantia também poderá ser entregue em dinheiro. As frações do auxílio serão entregues preferencialmente às mulheres.
Ainda, às 17h35 de ontem, o DF registrou 511 confirmações de contaminação pelo novo coronavírus. Desse total, 12 morreram e 148 se recuperaram. Até o fechamento desta edição, 65 pacientes estavam internados em hospitais, sendo 17 em estado grave, de acordo com a Secretaria de Saúde. Uma dessas pessoas é a advogada de 52 anos que foi a primeira a testar positivo para a Covid-19 na capital federal. Ontem, ela teve leve melhora do quadro, mas permanece na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional da Asa Norte (Hran).
Economia
A disseminação do coronavírus no DF tem aumentado dia a dia. Enquanto o Executivo local estabelece medidas para evitar aglomerações e intensificar o distanciamento social, como forma de mitigar as consequências da doença, muitos brasilienses não têm levado a sério as ações previstas pelo poder público. Em diferentes partes da capital federal, é possível encontrar pessoas que não têm tomado os devidos cuidados.
A preocupação de especialistas na área de saúde diz respeito, principalmente, à questão da sobrecarga do sistema, o que resultaria na falta de leitos para atendimento de casos novos e para recebimento de pacientes com outras enfermidades. De 20 de março até terça-feira, a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) recebeu 4.805 denúncias sobre locais abertos sem autorização (leia Funcionamento). A multa para estabelecimentos que descumprirem os decretos publicados pelo Executivo local vai de R$ 3,6 mil a R$ 24 mil.
Para alguns brasilienses que continuam a sair de casa, o cenário econômico é motivo de inquietude, e justifica a desatenção às medidas de isolamento social. Caminhoneiro, Gerlinei Batista dos Santos, 36 anos, saiu de Itamaraju (BA) para morar no DF há oito meses. Desempregado, ele acredita que o isolamento prejudica pessoas mais pobres. “O pessoal vai adoecer cada vez mais. E como vamos ficar em quarentena? O preço das coisas subiu. Pacote de arroz, ovo, tudo está caro. Não estou trabalhando por falta de oportunidade, e tem gente que vai passar fome mesmo com o auxílio do governo”, lamenta.
Professor de economia do Ibmec São Paulo, João Ricardo Costa Filho afirma que é imprescindível que o Estado crie medidas de auxílio para chegar rapidamente às pessoas mais vulneráveis. “Se conseguirmos fazer com que elas tenham essa rede de proteção, podemos ir desligando a economia nos setores que não são essenciais, para que a doença não se espalhe. Portanto, conseguiremos atingir dois objetivos: tanto os de saúde pública, para não sobrecarregar o sistema, quanto os econômicos-sociais”, pontua João Ricardo.
Agravamento
Até ontem, o Distrito Federal figurava em primeiro lugar entre as unidades da Federação com o maior número de casos para cada grupo de 100 mil habitantes. No entanto, após um salto no número de casos, o Amazonas ultrapassou a capital federal, que caiu para a segunda posição. Enquanto o DF tem coeficiente de incidência de 16,7, o estado amazonense chegou a 19,1. Nesta semana, a prefeitura de Manaus reconheceu a possibilidade de colapso na rede hospitalar.
Médico infectologista e presidente do Comitê para Enfrentamento ao Coronavírus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Bernardino Albuquerque comenta que, apesar das diferenças entre as regiões, é preciso que as secretarias de saúde façam uma leitura da realidade epidemiológica de cada local. “A situação no estado está muito preocupante em função do número de casos e de óbitos. Além disso, há uma possibilidade de disseminação muito mais expressiva. É preciso que haja acompanhamento, fiscalização. O que temos visto é exatamente a população nas ruas, principalmente nas áreas mais periféricas”, observa.
Para evitar o agravamento da situação no DF, Roberto José Bittencourt, médico e professor do curso de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), destaca a importância da testagem e do mapeamento dos pacientes que estiverem com a Covid-19. Ainda, ele considera que os 511 casos do Distrito Federal são apenas a “ponta do iceberg”. “É necessário fazer a testagem mais ampla possível. Não precisa ser de toda a população do DF. Pode-se fazê-la em camadas. Primeiramente, com os infectados, rastreando toda a rede de contato deles. Depois, com os profissionais de saúde, que precisam testar a cada cinco dias, pois é o tempo médio de incubação do vírus. Identificando, isola-se o paciente”, sugere.
Após traçar a linha de base, as próximas levas de testagem seriam para saber como está a evolução dos casos e quais regiões são o “elo frágil do cordão de isolamento”. Roberto José lembra que a falta de confirmação dos casos implica em subnotificação e que, para se ter uma estimativa próxima do número real de casos, seria preciso multiplicar o total atual por sete ou 10. Por isso, defende o médico, o investimento deve ser direcionado ao rastreamento das notificações confirmadas.
“Será que, dessa população de cerca de 5.110 pessoas não daria para saber onde estão, com quem moram, a quais igrejas ou festas foram?”, questiona. “Se fizermos uma testagem vigorosa, poderemos flexibilizar (as restrições). Poderemos planejar o sistema de saúde e a saída do isolamento social Dá para sair, mas tem de ser planejado. Não dá para ser da forma que se tem feito: um dia flexibiliza, no outro fecha. Isso não é planejamento, é flutuar de acordo com a pressão política”, criticou.
Funcionamento
Saiba o que pode ou não funcionar no DF após os decretos publicados pelo Executivo:
O que abre?
» Serviços e produtos de saúde (clínicas, consultórios, laboratórios e farmácias)
» Clínicas veterinárias (somente para atendimentos de urgência)
» Estabelecimentos de venda de produtos alimentícios (vedado o consumo no local)
» Lojas de materiais para construção e produtos para casa
» Postos de combustíveis
» Lojas de conveniência e minimercados em postos de combustíveis (proibido o consumo no local)
» Pet shops e lojas de medicamentos veterinários ou produtos saneantes domissanitários
» Comércios do segmento de veículos automotores
» Empresas de tecnologia (exceto lojas de equipamentos e suprimentos)
» Empresas que firmarem instrumentos de cooperação com o GDF no enfrentamento à emergência de saúde referente ao coronavírus ou à dengue
» Funerárias e serviços relacionados
» Lotéricas e correspondentes bancários
» Lavanderias (só para entrega em domicílio)
» Floricultura (idem)
» Empresas do segmento de controle de vetores e pragas urbanas
O que fecha?
» Escolas públicas e privadas, creches, faculdades e universidades (até 31 de maio)
» Festas, shows, eventos esportivos ou reuniões de qualquer natureza, que exijam licença do Poder Público
» Cinemas e teatros
» Academias de esporte de todas as modalidades
» Museus, zoológico, parques ecológicos, recreativos, urbanos, vivenciais e afins
» Boates e casas noturnas
» Shopping centers e clubes recreativos
» Feiras permanentes (apenas para comercialização de gêneros alimentícios para humanos ou animais)
» Cultos, missas e rituais de qualquer credo ou religião
» Salões de beleza, barbearias, esmalterias e centros estéticos
» Estabelecimentos comerciais de qualquer natureza (bares, restaurantes, lojas, quiosques, food trucks e trailers)