AUGUSTO FERNANDES
RENATO SOUZA
Publicação: 26/11/2019 04:00
Bolsonaro: " A GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão. É chegar preparado para acabar com a bagunça."
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O governo federal quer alterar a legislação que trata sobre reintegração de posse nas áreas rurais para permitir que o próprio presidente da República autorize a atividade de tropas das Forças Armadas no cumprimento das decisões judiciais que ordenem a retirada de invasores. Para isso, o chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, prepara um projeto de lei que propõe a criação de uma “GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para o campo”. Segundo ele, o objetivo é dar celeridade às ações que envolvem a restituição de terras.
Como justificativa, Bolsonaro disse haver governadores que demoram a pôr em prática as decisões de reintegração de posse em imóveis rurais proferidas por juízes — hoje, cabe aos Poderes Executivos de cada um dos 27 entes federativos acionar as forças de segurança pública locais, como a Polícia Militar, para atuar nos casos de invasão.
“Quando marginais invadem propriedades rurais, e o juiz determina a reintegração de posse, é quase regra que governadores protelam. Poderia, pelo nosso projeto, ter uma GLO do campo para chegar e tirar o cara da propriedade”, frisou o presidente.
O Executivo não quer, contudo, retirar a responsabilidade dos estados, conforme afirmou Bolsonaro. Para ele, os governos federal e estaduais podem atuar em conjunto. “Onde a propriedade privada não existe é no socialismo, no comunismo. Não chegamos lá ainda”, argumentou. “O cara invade a fazenda, queima o gado, depreda patrimônio, mata animais e fica por isso mesmo. Tem de ser algo urgente. E você, dando uma resposta urgente, inibe outros de fazerem isso.”
Apesar de não falar em datas, o chefe do Planalto disse que encaminhará a proposta ao Congresso. “Deixo bem claro que isso passa pelo parlamento. Se o parlamento achar que assim deve ser tratada a propriedade privada, aprova. Se achar que a propriedade privada não vale nada, aí não aprova”, frisou. Ele espera aprovação geral da bancada ruralista, composta por 247 deputados e 38 senadores.
Membro da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, Luis Carlos Heinze (PP-RS) acredita que o tema não terá dificuldades para avançar em nenhuma das Casas. “Em qualquer lugar do mundo, a propriedade é um direito sagrado. Portanto, o que precisamos é respeitar esse direito. Têm casos no país que a reintegração leva dois, três, quatro anos”, destacou.
A proposta pode tramitar em paralelo com outro projeto enviado por Bolsonaro ao Congresso, na semana passada, que trata sobre excludente de ilicitude para agentes em ações de GLO, ou seja, uma espécie de “salvaguarda jurídica” para policiais que, porventura, matarem em serviço. A medida já encontra resistência no parlamento e, caso não seja aprovada, Bolsonaro disse que “GLOs raramente serão editadas”. “A GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão. É chegar preparado para acabar com a bagunça. Mas, se não querem, não estou ameaçando ninguém, não. Não tem problema. A caneta Compactor é minha. Não tem GLO. Ponto final.”
A intenção de utilizar as Forças Armadas para reintegrações de posse levanta críticas, pois Exército, Marinha e Aeronáutica são treinados para situações de guerra e de conflito armado, e não para garantir o cumprimento de decisões da Justiça. Porém, o professor Terence Trennepohl, pós-doutor em direito ambiental pela Universidade de Harvard, nos EUA, afirmou ser comum que medidas judiciais desse tipo não sejam cumpridas, principalmente por falta de pessoal.
“De acordo com a Constituição, as Forças Armadas são instituições organizadas, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes e, por iniciativa de qualquer desses, da lei e da ordem. É exatamente aqui que se legitima a proposta do presidente”, avalizou.
Saiba mais
Queda no número de invasões
Os números mais atualizados de invasões de terras rurais no país, divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, revelam que, no ano passado, 143 áreas foram apropriadas de forma irregular. Em comparação aos anos anteriores, a estatística caiu: 169 foram invadidas em 2017; e 194, em 2016. A quantidade de invasões a terras indígenas, porém, está em alta. Em 2018 inteiro, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), registrou 111 ocorrências em 76 áreas. Até setembro deste ano, a instituição contabilizou 160 invasões em 153 localidades.
Rigor contra invasor de casa
O presidente Jair Bolsonaro disse, ontem, que enviará projeto de lei ao Congresso para garantir que uma pessoa armada possa fazer “tudo contra o invasor” dentro de sua casa. “Como você deve se comportar dentro de casa, armado, se alguém entrar? Hoje em dia, como que é a legislação? Queremos garantia absoluta de que, dentro da casa, você pode tudo contra o invasor”, frisou. Segundo o presidente, a medida é parte de um pacote de projetos que o governo deve enviar ao Congresso, composto também pela sugestão de excludente de ilicitude para agentes durante ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). “Poder Público, não tem o governador (como) proporcionar segurança para todo mundo 24h. Dentro de casa, você tem de ser dono de você”, argumentou, sem detalhar o teor da proposta. “Qualquer pessoa que entrar na sua casa, você pode ter o poder absoluto sobre ela”, repetiu.