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Depois que o marido morreu, Dinha tem de vender compotas para complementar a renda
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Cercado pelo vasto verde do cerrado, inúmeras cachoeiras e templos religiosos, o Distrito Federal tem no seu entorno regiões administrativas e municípios que desenvolvem a agropecuária e o turismo ecológico e religioso. Sem perder o foco da vocação regional, cada localidade consegue se reinventar para agregar valor à produção e ampliar as oportunidades de trabalho e renda na periferia.
Para o professor João Baptista Ferreira de Mello, do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), há uma criatividade latente no entorno dos grandes centros urbanos, que fica ainda mais pujante quando direcionada para a vocação regional. “Eu vejo as periferias com olhar simpático. São ricas em todos os aspectos, desde o urbanístico e paisagístico até o engajamento social e religioso, mas, sobretudo, produtivo”, analisa.
Nas cercanias das metrópoles, há um modo de viver diferente, na opinião do professor. “A religião é muito presente, com igrejas de todos os credos, que convivem lado a lado. O sentimento de comunidade também me parece maior. Por isso, a pecha não se coaduna com a riqueza que existe na periferia”, sentencia.
Com o maior Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário de Minas Gerais e em sexto lugar no ranking nacional, Unaí tem na lavoura, sobretudo de feijão, milho e soja, e na produção leiteira, sua vocação. A inovação, contudo, vem garantindo renda a um número cada vez maior de agricultores do município mineiro.
Dos quase 84 mil habitantes, 30 mil ou 35% trabalham na lavoura e na pecuária, que ocupam 70% do território, segundo a Emater-MG. A produção diária de leite é de 200 mil litros em média, mas, como recebe o produto de municípios vizinhos, chega a 400 mil litros, coletados por cooperativas e que abastecem grandes empresas. Cerca de 12 mil litros ficam para o consumo de Unaí e a fabricação de derivados, como doce de leite, manteiga e vários tipos de queijo.
Produtor rural da Fazenda Macaúbas, localizada próximo à BR-251, Maikel André Pereira, 26 anos, se uniu ao engenheiro de produção Warley Henrique da Silva, 26, para agregar valor à produção de leite, atividade de várias gerações da família. “Desde 2018, vimos que o leite não estava dando dinheiro. In natura, quase não cobre os custos de produção”, conta Warley.
A opção por derivados foi lógica. “Além de já ter a produção da matéria-prima, percebemos um nicho de mercado interessante”, explica. Os dois empreendedores investiram em infraestrutura, certificaram a propriedade e, em quatro meses, passaram a produzir queijo. “Quando a produção de leite da fazenda cai, a gente compra de outros fornecedores”, diz. Logo tiveram retorno, porém, o espaço ficou pequeno. “Precisamos fazer uma câmara fria para armazenar o produto acabado. Ampliamos o espaço. Também adquirimos uma caldeira para fazer pasteurização, porque o custo com gás estava muito alto”, enumera.
Hoje, o JM Laticínios produz peças de queijo minas padrão, ralado e frescal. Em janeiro, os sócios iniciaram nova reforma. “Estávamos processando de 80 a 100 litros de leite por semana. Com o maquinário novo, vamos para 350 litros”, diz o produtor. O crescimento foi rápido. A dupla contratou um funcionário e está prestes a empregar outro. A expansão da renda foi significativa. “Agora, temos poder de barganha no mercado, ganhamos mais tempo de prateleira do produto. Com a agroindústria, diversificamos a produção. No futuro, vamos fabricar iogurte e bebidas lácteas”, destaca.
Doce vidaDepois de ficar viúva, há 24 anos, Maria Piedade de Abreu, 71, dona da fazenda Columbia, de 150 hectares, no distrito de Garapuava, em Unaí, também precisou inovar. A propriedade foi dividida entre os quatro filhos, que tocam a produção de leite, as lavouras de milho e os pés de maracujás.
Com apenas um salário mínimo de pensão e uma conta mensal de R$ 900 de plano de saúde, restou à dona Dinha, como é conhecida, fazer doces para vender. “Tenho muitas árvores frutíferas, 12 pés só de figo, além da produção de leite do meu filho. Com a matéria-prima, eu faço as compotas. Já vai para 21 anos. Cozinho no início da semana e, às quartas e quintas, trago meu carrinho para o centro da cidade para vender”, conta.
Os doces de leite, de amendoim, de frutas e a famosa ambrosia da Dinha Doces conquistaram uma boa clientela. “Também faço para casamentos e festas”, diz. Na cidade, chegou a vender 100 potes por semana, a R$ 12 cada, e tinha uma renda líquida de R$ 3,5 mil, tirando os custos. “Mas essa crise derrubou minhas vendas pela metade”, lamenta.
“Eu vejo as periferias com olhar simpático. São ricas em todos os aspectos, desde o urbanístico e paisagístico até o engajamento social e religioso, mas, sobretudo, produtivo”
João Baptista Ferreira de Mello, professor da UERJ