RIO - Sexta-feira, primeiro dia do verão. A cena soa banal. Um dos termômetros do Leme marca 29 graus. Turistas e cariocas lotam os quiosques. A areia está cheia de banhistas. A brisa dá um refresco. A água do mar, cristalina e calma, reflete o céu estrelado. Estrelado? É isso. O mesmo totem que registra a temperatura “testemunha’’ o horário: 0h25m. Tendência nas últimas estações, ir à praia de noite deixou de ser um modismo e fincou o pé na areia como um hábito, que muitas vezes vara a madrugada.
— Está muito quente para ficar trancado no apartamento. Chamei os amigos, e viemos juntos para cá, sem hora para ir embora — justificou o motorista de aplicativo Hudson Lemos, de 37 anos, que levou mulher e dois filhos do Estácio para Copacabana, depois das 23h.
A troca do sol pela lua deixa a praia diferente. Nas areias, a ausência de comerciantes faz com que cadeiras deem lugar a um maior número de cangas e toalhas, que, somadas a mochilas, podem ser transformadas em camas improvisadas. Para facilitar na hora da cervejinha à beira-mar, um grupo de amigos da Tijuca levou uma mesa para as areias do Leme.
É proibido proibir
Proibido entre 8h e 17h, o clássico e tradicional altinho tem reinado no trecho de areia próximo ao mar durante as madrugadas. Mas nem tudo muda tanto no mundo. No Arpoador, caixinhas portáteis reverberam em alto e bom som versos de Anitta, Wesley Safadão e Diogo Nogueira.
— Aproveitamos o horário permitido e a falta de sol — diz o profissional autônomo Luciano Amaro, de 26 anos, morador de Laranjeiras.
Além daqueles que querem fugir do calor dentro de casa, a praia noturna é espaço para os mais variados perfis de banhistas: moradores da Zona Sul que decidem dar aquela esticada após o trabalho; turistas que não querem perder nem um minuto de seu tempo no Rio de Janeiro; e também famílias que moram em outras regiões do estado.
— Somos de Belford Roxo, na Baixada, e viemos para ficar até o fim do dia seguinte. Quem trabalha conseguiu uma folga. Juntamos o que tínhamos nos armários, colocamos dentro das mochilas e saímos para “farofar’’, mas sem o frango assado. E o que não tinha em casa, compramos no mercado — afirma a cabeleireira Marília Marques, de 36 anos, que levou sanduíches, biscoitos e até macarrão.
Quem não leva de casa, gasta. O comerciante Adriano Cavalcanti, de 36 anos, trabalha desde 1992 num quiosque do Arpoador. Segundo ele, a praia cheia após o pôr do sol aumentou seu movimento em cerca de 70%:
— De dia tem os barraqueiros, que vendem bebidas e acabam ficando com quase todo o público na areia. À noite eu consigo lucrar bem mais. A hora de ganhar dinheiro é essa.
Maria Célia da Rocha embarcou na oportunidade: trabalha de dia em sua pensão e vende sanduíches na praia durante a noite:
— Estou aqui há duas semanas, e o movimento está cada vez maior. O Brasil está em crise, e decidi aproveitar o verão, que atrai muita gente.
Arpoador e Leme, com maior iluminação, são as mais procuradas. Segundo a Guarda Municipal, a segurança é feita em turnos durante a madrugada. A PM informa que atua 24 horas na orla. Amanhã, o Rio começa a sentir os primeiros efeitos da chegada de uma “frente fria’’ (a temperatura máxima deve ficar na casa dos 35 graus), com nebulosidade e possibilidade de chuvas. Nada que atrapalhe uma boa praia noturna.