O retorno do manto tupinambá às terras brasileiras, após passar quatro séculos no Museu Nacional da Dinamarca, gerou comoção em comunidades indígenas e muita curiosidade da sociedade. Feito de penas da ave guará e linha de algodão, a peça foi confeccionada entre os séculos XVI e XVII no Brasil e, depois, levado pelos colonizadores.
Segundo o historiador Crenivaldo Veloso, que também atua no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, para onde o manto foi levado, o artigo indígena rememora tempos em que o Brasil era predominantemente indígena. “Esse manto tupinambá é um exemplo de um Brasil que é território indígena e que a sociedade brasileira contemporânea precisa reconhecer. Representa uma antiguidade, uma presença protagonista e ativa na construção da história do país. É também uma prática de releitura e crítica às experiências coloniais porque a forma com que esses seres sagrados foram parar em museus vem sendo alvo de críticas e revisão histórica. Simboliza uma vitória do movimento indígena brasileiro”, avalia.
O retorno da peça ao Brasil teve uma longa trajetória. A antropóloga explica que, desde 2000, a história dos mantos foi revivida, mas que não se sabia onde eles estavam. Estudando a própria cultura com ancestrais, em 2007, a indígena confeccionou um manto com base no que era descrito pela tribo. Mas ela conta que foi só em 2018 que conheceu, ao vivo, pela primeira vez, um manto tupinambá extraído do Brasil. Ele estava na França e foi como um “sinal”, segundo ela, para procurar por mais peças como aquela, pelo mundo.
Ancestralidade
Para os tupinambás, os mantos são como entidades ancestrais, que carregam a memória das histórias que viveram e podem também ser masculinos ou femininos. O manto enviado pela Dinamarca, segundo Glicéria, é feminino. Foi feito e utilizado por mulheres tupinambás e há provas de sua utilização em pinturas e registros históricos da época colonial. “É incrível, fantástico. Só para a gente mesmo, que é do povo, que tem a cultura para entender. A gente sai do nosso território e chega diante de um ancestral que te reconhece como parente de sangue, que tem uma memória de tantos anos. Tem mantos de 400, 600 anos, são muito antigos e guardam fragmentos de memória. Para mim, isso é incrível”, comenta empolgada a indígena.
Glicéria afirma que não há pretensão de trazer outro manto ao Brasil, agora. Segundo ela, é necessário tempo para que o manto tupinambá seja recebido, passe por ritos dos indígenas e também comece a ser conhecido pela sociedade no Museu Nacional. O momento é de apreciar a conquista dos indígenas. Veloso vê como um momento simbólico a retomada do manto indígena.