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O Meninas.Comp ensina conceitos de programação e estimula alunas de escolas públicas a criarem projetos próprios por meio da programação
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No Meninas na Ciência, o encorajamento ocorre por meio de atividades lúdicas ministradas por docentes e pesquisadoras da UnB
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Descobrir elementos químicos e ser laureada duas vezes com honraria. Ser a primeira a desenvolver medicamentos para doenças como leucemia e gota, ou impulsionar o país para a segunda posição como um dos maiores produtores de soja do planeta. Por trás de todas essas conquistas, estão mulheres.
Mesmo diante desse cenário, dados da editora científica Elsevier mostram que, apesar de a proporção de mulheres ser igual à de homens entre os pesquisadores, elas ocupam menos postos avançados em laboratórios e crescem menos na carreira. Informações do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de 2017 confirmam esse quadro, já que, dos 112 pesquisadores sênior, apenas 27 são mulheres.
A limitação velada à ascensão de mulheres na carreira é classificada de “teto de vidro” pela teoria feminista, e pode acontecer por diversos motivos. Na ciência, a professora Susane Ramalho, da Faculdade UnB Planaltina (FUP), exemplifica fatores como a dificuldade das mulheres de obter financiamento para as pesquisas, a necessidade de conciliar a vida familiar com o trabalho e também o machismo. “Tenho relatos de uma colega da geologia que já foi negada a participar de um processo seletivo de pesquisa em que era necessário viajar de barco. O veículo não tinha banheiro feminino e esse detalhe foi o motivo de ela ser desclassificada”, conta.
Outro filtro, segundo a pesquisadora, é a baixa participação das mulheres nas ciências exatas. “Tem um problema de estímulo das garotas a se interessar por essa área e também uma questão histórica de representatividade. O perigo é que a baixa participação das mulheres nesta área do conhecimento faça com que, nos próximos 20 anos, menos mulheres entrem no mercado de trabalho, já que existe a previsão de que, com o avançar tecnológico, várias profissões desapareçam, e as que vão permanecer são justamente nas ciências exatas”, explica a professora.
Para incentivar a participação delas na ciência, em 19 e 20 de março, o Departamento de Matemática da UnB promoverá a segunda edição do Seminário Mulheres na Ciência da Universidade de Brasília. O evento, que tem o apoio da ONU Mulheres, do Núcleo de Gênero do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops), vai discutir a participação da mulher na ciência e apresentar diversos projetos de extensão que têm incentivos para inserção de mulheres na ciência. Será lançado ainda o Fórum pela Diversidade de Gênero nas Ciências e Tecnologia, uma iniciativa do MPT e MPDFT.
Superação
Vencer os estereótipos. Essa é a luta que a doutoranda em neuropsicofarmacologia Lorena Priscila Oliveira Rocha, 28 anos, tem enfrentado ao longo da jornada acadêmica e profissional. Segundo a estudante, as dificuldades vão além da falta de inclusão. “Há uma cascata de problemas relacionados a esse conceito preconcebido: as microagressões diárias, a insegurança e o medo imposto por si e, também, a autocobrança para que seu trabalho seja reconhecido”, salienta. Além de atuar na área de neurociência e comportamento, Lorena participa de uma pesquisa que tem como objetivo validar um novo medicamento inspirado na peçonha de uma vespa que amenize ou melhore doenças neurodegenerativas.
Na busca por estimular o interesse pela área, um grupo de profissionais criou o projeto Meninas na Ciência, que busca incentivar a participação de adolescentes entre 11 e 15 anos, matriculadas no ensino fundamental de escolas públicas e particulares. O encorajamento ocorre por meio de atividades lúdicas ministradas por docentes e pesquisadoras da UnB.
Segundo Lorena, que é coordenadora da iniciativa, as atividades permitem que as participantes conheçam mulheres cientistas que introduzirão o senso crítico para as alunas. “Não queremos deixar que percam essa vontade. Queremos mostrar, de fato, como é ser uma pesquisadora e de quais formas e possibilidades as portas estão abertas para elas”, detalha.
“Observamos que as meninas que participaram do nosso evento no semestre passado já vieram com uma base significativa de ciência e pesquisa. Não queremos que elas percam essa vontade e interesse no decorrer da adolescência até a graduação”, afirma. Para isso, as meninas participam de diversas atividades. Na última edição, foram promovidas oficinas de organelas de células animais, de análise de lâminas com diversos tipos de materiais biológicos e para aprender a distinguir espécies de cobras.
Tecnologia
Áreas relacionadas à tecnologia estão entre algumas das que apresentam a maior disparidade entre homens e mulheres. Para mudar esse cenário e incentivar o ingresso de meninas em carreiras relacionadas, outras pesquisadoras da UnB criaram o Meninas.comp. O projeto ensina conceitos de programação e estimula alunas de escolas públicas a criarem projetos próprios por meio da programação. Com o lema “Computação também é coisa de menina”, a ação, que capacita professores da rede pública para atuarem junto às estudantes, aproximou mais de mil garotas aos conceitos e primeiras experiências com a programação.
A professora do Departamento de Ciência da Computação e uma das fundadoras do projeto Aletéia Aráujo pontua que ainda falta muito a ser feito para igualar a quantidade de mulheres na carreira, mas que o projeto é um começo. “Acredito que só assim vamos conseguir quebrar essa barreira mostrando resultado”, defende.
A pesquisadora conta já ter passado por situações de preconceito na profissão por ser mulher e pondera que a sociedade precisa de mudanças. “Até hoje, acontece de eu estar em alguma reunião e não darem ouvidos para uma proposta minha, mas acham boa a ideia quando um homem fala pouco depois”, diz. “Pesquisas mostram que projetos que têm mais igualdade são mais bem-sucedidos. Mulheres valorizam características em um produto que, às vezes, passam despercebidas ao homem. Se querem vender tecnologia para mulher, tem que ter mulher atuando nos times”, completa.
Alice Lima, 19, é uma das participantes que se identificou com a área de tecnologia ao passar pelo Meninas.comp. Agora, como estudante de ciências da computação na UnB e com um projeto de iniciação científica que pesquisa a inserção de mulheres no mundo na área de estudo dela, conta conviver diariamente com a ausência de outras alunas no curso. “De 40 estudantes que entraram no meu semestre, só três, contando comigo, eram garotas. Tiveram semestres piores, em que só entrou uma aluna”, declara a estudante.
A universitária conta, ainda, ter dúvidas sobre qual caminho trilhar após a graduação: se opta pela pesquisa ou pelas áreas de programação e de desenvolvimento. Até lá, segue como voluntária no projeto que a aproximou do curso. “É algo muito importante, porque meninas geralmente não olham para essa área. Não é nem questão de não haver interesse, é a de um incentivo, que não existe. Percebemos que é algo que vem de infância, e isso deve mudar.”
* Estagiários sob supervisão de Mariana Niederauer
Participe
» Meninas na Ciência
O projeto é voltado para meninas que queiram conhecer um pouco mais sobre ciência, tenham entre 11 e 15 anos e estejam regularmente matriculadas no ensino fundamental. Este ano, o evento ocorre em 16 e 23 de maio. Informações: meninasnacienciaunb@gmail.com ou www.meninasnacienciaunb.com.br.
» 2º Seminário Mulheres na Ciência
Em 19 e 20 de março, o Departamento de Matemática da Universidade de Brasília promoverá a segunda edição do evento, que contará com diversas palestras, mesas redondas e apresentação de projetos de extensão que têm incentivos para inserção de mulheres na ciência. Informações: ww.mat.unb.br/mulheres_ciencia e mulheres.mat.unb@gmail.com.
Elas fazem a história
Conheça algumas das principais cientistas brasileiras
» Graziela Maciel Barroso (1912-2003)
Conhecida como “a primeira-dama da botânica brasileira”, foi mentora de quase todo botânico brasileiro que se formou no país nos últimos 50 anos e eleita para a Academia Brasileira de Ciências em 2003, mas morreu antes de tomar posse.
» Johanna Dobereiner (1924-2000)
A agrônoma desenvolveu um trabalho revolucionário na Embrapa, onde descobriu que bactérias potencializam o cultivo da leguminosa dispensando o uso de fertilizantes. A descoberta fez do Brasil o maior produtor de soja do mundo.
» Mayana Zatz
É referência em pesquisas com células-tronco e participou ativamente da aprovação das pesquisas com células-tronco em 2005. Ganhou vários prêmios internacionais e nacionais.
» Suzana Herculano-Houzel
Revolucionou a área de neurociências e dedicou-se ao estudo da anatomia comparada do cérebro de diferentes animais para entender a evolução dos seres humanos. Com isso, criou um preciso e novo método, reconhecido no mundo todo, para contar as células do cérebro.