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As organizadoras Michelle Menezes, Danielle Bonfim (C) e Edileia Tiberio usam a cultura como remédio
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“De médico e louco todo mundo tem um pouco”, como diz a expressão popular. Mas, apesar dessa máxima valer para todo mundo, muitos não têm os mesmos direitos básicos, como a liberdade de receber um tratamento de saúde adequado. Pensando nisso, o Movimento da Reforma Psiquiátrica de 1987 (leia Saiba mais) instaurou no Brasil o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, comemorado em 18 de maio. Vários grupos de profissionais e estudantes organizam eventos que debatem o tema, usando até mesmo a leveza da cultura para abordar a complexidade da questão manicomial no Distrito Federal.
Um deles é o grupo de profissionais da Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Adulto, que faz parte da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS). Eles tiveram a ideia de unir pacientes, assistentes sociais, enfermeiros e a população geral em um sarau recheado daquilo que todos querem: liberdade e cuidado para ser feliz. Com apresentações de canto e dança, o evento promete mostrar que a “loucura” não deve ser um tabu a ser isolado, excluído, mas algo que precisa ser tratado fora das grades de manicômios, hospitais e clínicas psiquiátricas..
“Dentro de todo esse cenário, a cultura tem um papel muito importante para essas pessoas, porque ela dá o direito à expressão. No sarau, as pessoas com transtornos cantam, dançam e vivem um dia de artista! É tão bom, que elas não querem sair do palco”, brinca Michelle Menezes, 25 anos. A terapeuta ocupacional é uma das organizadoras do II Sarau de Médico e Louco Todo Mundo tem um Pouco, na próxima quinta-feira, no Imaginário Cultural, em Samambaia.
A ideia surgiu ano passado, quando o grupo conheceu, nesse mesmo período, diferentes atividades desenvolvidas pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Cada Caps realizava a própria programação interna com os pacientes — adultos com transtornos mentais graves e problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Então, as assistentes sociais tomaram a iniciativa de dar asas ao projeto, levando para fora das instituições.
“Passamos a imaginar uma grande comemoração na comunidade, unindo todos os serviços e com uma programação cultural dos próprios centros. Aí conhecemos um espaço em Samambaia chamado Imaginário Cultural e recebemos o apoio deles para realizar o I Sarau”, lembrou Danielle Bonfim, 25. A também organizadora participou do projeto de forma completa. Além de atuar como assistente social, ela aproveitou a segunda profissão, cantora, para participar das apresentações. “O evento foi um sucesso! Levamos quase 300 pessoas para o espaço, entre pessoas da comunidade, pacientes, familiares e profissionais, sempre com o foco nos frequentadores do Caps. O resultado foi maravilhoso”, celebrou.
Métodos
Os tratamentos de pessoas com transtornos graves não são simples. Exigem conhecer bem o paciente e utilizar de diferentes métodos interdisciplinares, principalmente. Mas não há dúvida de que a socialização tem papel fundamental nesse processo. O evento de quinta-feira também pensa nisso para reunir familiares e pacientes. “Esse sarau será um momento de eles criarem vínculos, fortalecerem laços e cuidados entre quem estiver presente, com ou sem transtorno”, detalhou Ediléia Tibério, 40 anos, assistente social. Para ela, essas interações também são importantes para algo que pode parecer mais simples do que a complexidade do tema: ser feliz.
“A vida não pode ser só tristeza, temos que ter momentos assim de alegria, de celebração.” Mesmo assim, o grupo ressalta que as comemorações são também um ponto de reflexão, pois temos que pensar constantemente em como ser uma sociedade que acolha diferentes transtornos. Quem estiver presente no sarau poderá fazer isso acompanhando as apresentações, conferindo artesanatos feitos pelos pacientes e até observando uma exposição de fotos com a temática psiquiátrica. Unindo a arte reflexiva aos momentos de descontração, o evento também receberá fotografias da mostra Morar em Liberdade, em exposição na Fiocruz Brasília até 31 de maio nesse mês da Luta Antimanicomial.
Atendimentos
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são instituições para atendimento de pacientes com transtornos mentais considerados graves ou persistentes e com dependências severas pelo uso de álcool e outras drogas. Em cada unidade, são oferecidos atendimentos gratuitos interdisciplinares, ou seja, que trabalham com médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas.
Programação
» Apresentações culturais dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do DF
» Grupo percussivo Askabum, da Casa Azul
» Grupo Beckus Cia de Dança com a coreografia Colapso Temporal
» Dança contemporânea da Associação de Amigos da Saúde Mental (Assim)
» Grupo Periféricos no Topo com dança e hip-hop
» Grupo Capoeira Instituto Mãe África
» Exposição e stands de venda dos grupos de geração de renda dos Caps
» Encerramento com um lanche coletivo
SERVIÇO
II Sarau de Médico e Louco Todo Mundo tem um Pouco // Data: 16 de maio —
Hora: abertura às 13h30 —
Local: Complexo Cultural de Samambaia, Quadra 301, Conjunto 5 — Evento gratuito
Exposição Morar em Liberdade, do fotógrafo Radilson Carlos Gomes // Data: 29 de março e 31 de maio —
Local: Avenida L3 Norte, Campus Universitário Darcy Ribeiro, UnB
Saiba mais
Luta humanista
No século passado, o Brasil viveu cenas de terror em manicômios. Os hospitais psiquiátricos se mostraram opções desumanas para pessoas com transtornos mentais, violando direitos humanos básicos. Os pacientes passavam por torturas, não tinham acesso a métodos eficazes de tratamento e muitos tinham pioras nos quadros. No fim da década de 1970, surgiu o Movimento da Reforma Psiquiátrica, que uniu diferentes categorias profissionais, associações de usuários, acadêmicos e outros segmentos da sociedade para questionar essas práticas.
“O movimento começou na Itália, em resposta às graves violações pelas quais eram submetidas as pessoas internadas em hospitais psiquiátricos na época, e teve grandes conquistas”, explicou Andressa Ferrari, 28, enfermeira e integrante do Movimento Pró-saúde Mental do DF. Para ela, a luta teve grandes resultados no Brasil, como a Lei da Reforma Psiquiátrica. “Essa lei diz que o cuidado dessas pessoas deve ser oferecido por meio dos centros de atenção psicossocial, sendo um cuidado em liberdade, e que a internação, quando ocorrer, deva ser de curta duração e somente depois que todas as outras tentativas de cuidado territorial e comunitário tiverem sido tentadas anteriormente”, detalhou.