Pois, tão logo “dei baixa do serviço no Exército” (CPOR – onde tomei três doses de vacina à base de Ivermectina, Hidroxcloroquina e Zinco – que fazia doer até miolo de pão), trabalhei alguns meses na Casas Silcar, representante da concessionária Chevrolet e da Frigidaire, que ficava na Rua Sena Madureira, ao lado do Mercado Central. Depois passei a trabalhar na Western Company Limited, empresa inglesa prestadora dos serviços de cabogramas. E tudo aquilo ficava como se fosse dentro de uma bacia de alumínio.
A Western usava dois tipos de tarifas: a tarifa comum, para os cabogramas comuns e de textos reduzidos; e o CTN (Correspondência Telegráfica Noturna), essa com tarifa abaixo de 50% do preço da tarifa comum.
Trabalhávamos em três turnos de seis horas cada. O turno da noite começava às 17 e 18 horas e encerrava às 23 e 24 horas. Quando era necessário, um Operador de Teletipo (minha função e de outros) permanecia na empresa, e fazia “O.T.” (Over time), recebendo, além das horas extras, a regalia de ser conduzido à casa por táxi. Essa hora extra consistia em esperar a chegada dos cabogramas CTNs procedentes de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, preparando-os para a entrega nas primeiras horas do dia seguinte.
Via de regra, eram ordens de transferências bancárias, ou pautas para os jornalistas correspondentes dos jornais Estado de São Paulo, Jornal do Brasil com maior frequência (lembro que eram Egídio Serpa e Rogaciano Leite).
Durante a espera da chegada desses CTNs, como ainda não havia jogo transmitido pelas televisões, a gente se “impirilutava” para o Curral das Éguas (ZBM) ou, para a putaria que reinava na Rua Franco Rabelo e, próximo dali, a famosa buate 80.
Era na Franco Rabelo que reinava o “senhor” José Benedito de Lima, pouco conhecido como tal, mas muito conhecido como “Zé Tatá”. Zé Tatá era um desses que hoje são rotulados popularmente de “Queimador de rosca” ou “Generoso do traseiro”; ou, numa linguagem mais atual que em nada atenua o objetivo, “gay”. Para o cearense, “Baitola”!
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Zé Tatá – o baitola macho
Zé Tatá – O gay-macho: bom de porradas contra três ou quatro (e botava pra correr!)
Nascido em Salvador/BA, JOSÉ BENEDITO DE LIMA, em 1929, ainda criança (pouco mais de dois anos de idade) foi morar em Fortaleza, por conta da transferência do pai, então militar do Exército. Poucos anos depois, o pai faleceu vítima de um acidente num treinamento militar.
Filho único, ainda JOSÉ BENEDITO virou estudante no Colégio Maristas, na capital cearense. Não ficou livre da “zoeira” (os bobalhões de hoje denominam de “bullying”) própria do cearense. Assim, quando era repreendido por algum professor(a) no Colégio, aceitava e respondia apenas, “tá” repetidas vezes. Virou então “Zé Tatá”. Dono das casas noturnas (pensão) Ubirajara, Hollywood e Tabariz. Desfilava no carnaval vestido de baiana e imitava Carmem Miranda.
Zé Tata era um negrão de mais de um metro e noventa. Chamava atenção, por onde passava, por ser um homem, negro, forte, alto e belissimamente vestido de mulher. Ninguém tinha coragem de dizer qualquer coisa que ofendesse a integridade moral de Zé Tata.
Mas vamos ao início da história deste personagem baiano que, nos anos 50 e mais, era a rainha do Carnaval de Rua de Fortaleza: Zé Tata. José Benedito de Lima nasceu em Salvador, em 1929. Aos 2 anos idade perdeu seu pai vítima de acidente em um treinamento militar. Filho único de mãe viúva, foi criado em Fortaleza num conjunto habitacional do exército do Brasil. Sua mãe ganhava uma modesta pensão e tinha que trabalhar como empregada doméstica pra criar seu filho amado. Zé, como era conhecido pelos colegas, estudou no colégio Marista, onde também ganhou o apelido de Tata. Dizem que, quando ele ficava nervoso ao ser repreendido pela professora, dizia: – Ta! Ta! Daí virou o Zé Tata.
Quando menino, passou por todas as fases, foi levado, brigão, namorador… Sempre foi um aluno mediano, mas esforçado e logo estava numa escola de Sargentos do Exército, onde estudou enfermagem. Na Escola Militar descobriu que era diferente dos outros meninos: enquanto os outros tinham desejos sexuais por meninas, ele adorava ver os meninos pelados no vestiário. No início, achou estranho, mas rapidamente gostou da ideia. Ele se destacava em todas as atividades que fazia: era ótimo lutador, jogava futebol e queria participar de tudo que envolvia contato físico com os garotos da academia.
Quando estava com 19 anos, foi convidado para se fantasiar de mulher e sair com um grupo de amigos pra desfilar no Carnaval do centro de Fortaleza. Pediu ajuda a sua mãe, que não estranhou, pois aquilo era costume de Carnaval. Ele, então, se montou e se transformou numa mulher de quase dois metros de altura. Salto altíssimo, vestido longo e maquiagem impecável. Decidiu não usar peruca, deixou seu cabelo natural, bem batido, como deve usar um militar. Foi o dia mais feliz na vida de Zé Tata. Lá foi ele realizado, se sentido uma dama. Porém, na vida, nem tudo são flores e, logo que chegou ao centro, uma turma de machões bêbados resolveram brigar com os rapazes – Vamos dar porrada nessas raparigas que não gosto de veado, alguém gritou.
Começou aquela pancadaria. Zé Tata vinha mais atrás e quando chegou perto viu os amigos dele sendo surrados por um bando de bêbados gritando ofensas. O sangue de Zé Tata nunca ficou tão quente, deu um grito e partiu pra briga. Eram mais de vinte homens cercando Zé Tata. O primeiro que chegou perto levou um chute na cara, o salto alto de Tata arrancou sangue do dito cujo que já caiu semimorto. Os outros, vendo aquele negrão enorme ficaram sem saber o que fazer. Zé Tata partiu feroz para cima deles, derrubando um por um com socos, pontapés, cabeçadas, pernadas… Quando a polícia chegou, o quadro era de trinta homens no chão e uma bicha enorme, gritando, chorando e batendo em que chegasse perto. Foi preciso mais de dez policiais para conter a ira de Zé Tata que foi preso e autuado como agressor e perturbador da ordem pública. Ninguém mais foi preso. Só não foi pior porque o Raimundo, um dos amigos que apanharam, defendeu Tata.
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Madame Satã
Anos 60, em Fortaleza; final dos anos 60 e começo dos anos 70, no Rio de Janeiro. Em Fortaleza, a “loira desposada do sol”, proximidades da Rua Franco Rabelo, do Curral das Éguas e do Quartel da Décima Região Militar. No Rio de Janeiro, a Lapa e o Bairro de Fátima. Tempos bons, de época braba.
Domingo pela manhã no Rio, a venda de selos pelos “Filotélicos” que viviam, e gastavam fortunas com as coleções. Algumas crianças se dirigiam para o Passeio Público, esperando o horário da primeira sessão infantil das manhãs dos domingos no Metro Boavista.
Em Fortaleza, a noite da sexta-feira e do sábado. A ZBM fervilhava e era ali que as coisas aconteciam. Fortaleza não era 5% do que é hoje e do que disponibiliza em opções de lazer noturno. No passado, na ZBM, era só para “molhar o biscoito”.
João Francisco dos Santos – Madame Satã
João Francisco dos Santos nasceu em Glória do Goitá/PE, a 25 de fevereiro de 1900, e faleceu no Rio de Janeiro, a 12 de abril de 1976, mais conhecido como Madame Satã, foi um transformista brasileiro, uma figura emblemática e um dos personagens mais representativos da vida noturna e marginal da Lapa carioca na primeira metade do século XX.
Nascido em Glória do Goitá, um município brasileiro localizado no interior do estado de Pernambuco, na Zona da Mata, João Francisco se mudou para a Lapa – que na época passava por um processo de transformação e gentrificação – aos 13 anos, onde viveu como moleque de rua até conseguir um emprego como vendedor ambulante de pratos e panelas de alumínio.
Navalha – a arma de Madame Satã
Madame Satã tinha fama. Para uns, uma má fama. Para outros tantos, a fama de brigão que, provocado “não batia fofo”. Enfrentava qualquer um. Tinha o hábito de vestir a cor branca. Nas ocasiões especiais preferia o paletó e calças de linho – e tamancos de madeira. Num dos bolsos internos do paletó, a inseparável amiga navalha.
Naquela região da Lapa, indo do final do gradeado do Passeio Público e cafés e bares nas imediações do Arcos até a Rua do Senado com Rua do Riachuelo e ladeiras de subida para Santa Teresa, Madame Satã era conhecido e temido. Só quem o dominava era a patrulha da Polícia Especial, antecessora da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
Tamancos de madeira – o “escudo” de Madame Satã
Muito bom de briga, Madame Satã também tinha seus desafetos que, em duplas, o enfrentavam. Para esses, Satã (contam alguns que presenciavam os desafios) punha a amiga navalha numa das mãos e um dos tamancos de madeira na outra – trocando-as quando se defendia ou quando atacava. E os ataques eram quase sempre fatais.
Nos dias atuais tudo é diferente. A navalha, nem os barbeiros a usam mais. Os marginais criminosos preferem os fuzis de alto poderio, a grande maioria importados (na verdade, contrabandeados) de países especialistas em guerras. E até já se atrevem a trafegar na área que antigamente era dominada por Madame Satã.
DETALHE: Madame Satã também era baitola e não se escondia no armário. Mas essa era outra guerra, na qual ele sempre era derrotado. E, em vez de navalhas, espadas.