POLÍTICA EXTERNA E IDEOLOGIA
A. C. Dib
Desde o saudoso tempo do Barão do Rio Branco ─ o florescer de nossa diplomacia ─ nossa política externa sempre foi pragmática. Nossa ação em cenário internacional ─ acordos, tratados, alianças, comércio exterior, fixação de posições políticas, enfim, a atuação do Estado em âmbito externo ─ sempre focou objetivamente nossos estratégicos interesses econômicos, políticos e militares.
Talvez em fugaz exceção, o Estado Novo de Getúlio Vargas, ditadura de caráter próximo ao fascismo nacionalista, tenha oscilado dubiamente entre o Eixo e os Aliados, antes de optar pelo segundo grupo, ajudado pela Alemanha nazista que torpedeou algumas de nossas embarcações. O esforço de guerra contra o totalitarismo nazifascista resultou na queda do próprio Estado Novo: paradoxal que, após combater contra a tirania e pela democracia e liberdade, permanecesse a existir tal como era.
Desgraçadamente, essa saudável tradição histórica, que busca prestigiar e priorizar sempre os soberanos interesses nacionais, viu-se brusca e erroneamente rompida já no limiar da chamada “Era Petista”. Afastando-se dessa linha pragmática, os governos petistas ─ Lula e Dilma ─ adotaram modelo de “política externa ideológica”. Os interesses pragmáticos brasileiros cederam, então, lugar a interesses puramente ideológicos ─ interesses esses, atrevo-me a dizer, que não eram os da Pátria, mas do governo, notadamente interesses de viés esquerdista ─, passando a prestigiar e apoiar tudo o que dissesse respeito à concretização de ideais socialistas/comunistas. Curioso observar que a ênfase esquerdista na política petista deu-se, essencialmente, na área externa, eis que internamente a política econômica adotada ─ especialmente na gestão Lula ─ era a neoliberal.
Símbolos incontestes da política externa ideológica petista foram, inicialmente, o senhor Marco Aurélio Garcia ─ baluarte do jurássico esquerdismo petista ─, que parecia ser o grande ideólogo e mentor de tal política externa e, em segundo plano, o chanceler Celso Amorim, diplomata de carreira, umbilicalmente associado ao esquerdismo, que foi Ministro das Relações Exteriores e ─ em caricato propósito da Presidenta Dilma de alfinetar os militares e as Forças Armadas ─ Ministro da Defesa do Brasil.
Apoio incondicional a ditadores truculentos como Castro, de Cuba e Chávez da Venezuela, foi marca registrada de tal política, além do entusiástico flerte com o Irã de Ahmadinejad e a Síria do genocida Bashar Al Assad.
Em controversos episódios que tiveram por protagonistas alguns vizinhos latinos ─ e, não é de pasmar, de esquerda ─ a baixeza áulica externada pelo Governo Lula frente a abusos, afrontas e violações a normas internacionais produzidas por tais parceiros chocou a Nação. Vale rememorar a nacionalização manu militari ─ literalmente, com o emprego de soldados armados que a invadiram e tomaram ─ de refinaria da Petrobrás em solo boliviano, decretada por seu presidente, Evo Morales. Bem assim, imposição firmada, com rara petulância, pelo presidente paraguaio Fernando Lugo de alteração de cláusulas contratuais relativas a Itaipu, com nova adequação francamente desfavorável ao Brasil. A cada crítica, a cada ataque, a cada provocação do trio de tiranetes Morales, Lugo e Rafael Correa do Equador ─ o Brasil tornou-se saco de pancada dos três ─, Lula reagia com a placidez, a bonomia e a tolerância de um pai magnânimo e compassivo, a afagar docemente a cabecinha dos filhotes trelosos. Isso enquanto que os nossos hermanos esquerdistas brilhavam pra suas torcidas, como audazes vitoriosos sobre o avassalador imperialismo brasileiro. Como o Brasil sempre lidera todos os modismos políticos latino americanos, a Era Petista foi a era gloriosa da esquerda latino americana: o casal Kirchner na Argentina, Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, Correa no Equador, Lugo no Paraguai e Daniel Ortega na Nicarágua ─ isso para mencionar apenas os mais histriônicos ─, sem falar no longevo ─ no poder e na idade, eis que todo comunista vive duzentos anos ─ Fidel Castro em Cuba, a hors concours do comunismo latino americano.
Bem caracterizando a questão, temos a maneira como a ideologia petista enfrentou duas situações internacionais diversas. Uma delas foi o episódio em que dois pugilistas cubanos pediram asilo político ao Brasil. Como resposta, em menos de 24 horas da oficialização do pedido, o Ministro da Justiça de Lula, Tarso Genro ─ arrimo jurídico do esquerdismo petista ─, com competência, firmeza e determinação raras vezes exibida em sua pífia gestão à frente do Ministério, devolveu os dois atletas às garras totalitárias de Fidel. Por outro lado, cuidando-se do terrorista Cesare Battisti, evadido da justiça italiana que o perseguia por homicídios, os governos petistas o protegeram com a ferocidade de mãe leoa defendendo sua prole. E Battisti não tinha a seu favor nem mesmo o argumento empregado por terroristas e guerrilheiros brasileiros dos anos sessenta/setenta de que “combatiam contra uma ditadura militar”, eis que combateu o Estado Italiano, regime democrático constitucional.
Já o BNDES seguia financiando obras milionárias em países governados por ditadores de extrema esquerda, em contratações de reembolso dúbio e incerto. E o programa Mais Médicos, sob o propósito nobre de levar atendimento médico às populações carentes do Brasil parecia, em verdade, ocultar o fim de injetar milhões de reais nas barbas castristas. Para atuarem em solo brasileiro, os pobres discípulos de Hipócrates eram obrigados a deixar suas famílias em Cuba, como garantia, faziam-se acompanhar de agentes políticos cubanos, eram alojados em estabelecimentos militares, tinham suas correspondências fiscalizadas e eram proibidos de relacionamentos íntimos com os nativos ─ era o velho totalitarismo comunista nadando de braçadas no País regido pela Carta de 1988, a Constituição Cidadã. E ai de quem pedisse asilo político: lá estava o zeloso Tarso Genro a fiscalizar o bom comportamento dos súditos de Castro.
Virada a página do petismo, ao que parece, a sábia política externa pragmática continua em baixa. Em tempos de Capitão Bolsonaro o Brasil inaugura agora a política externa ideológica/teológica/fundamentalista.
Segue o senhor Presidente advogando a proposta de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, no melhor estilo Donald Trump. Ignorando a extrema complexidade das relações reinantes no Oriente Médio, Bolsonaro, em sua míope óptica simplista, simplória e maniqueísta divide o mundo entre mocinhos e bandidos, heróis e vilões, cavalaria e índios selvagens, no melhor estilo velho oeste. Na visão evangélica fundamentalista e neopentecostal ─ adotada por Bolsonaro ─ a aproximação com Israel estaria inserida em um plano divino de preparação para a segunda vinda de Jesus Cristo à Terra.
Benjamin Netanyahu, Primeiro Ministro de Israel ─ reeleito recentemente ─, político habilidosíssimo, experiente, astuto e traquejado, usa Bolsonaro como trunfo político, exibindo-o vitoriosamente ao eleitorado israelense.
Em entrevista concedida ao Estadão, datada de 03 de abril de 2019, Michel Gherman, Mestre em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém e Doutor em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes da aludida Universidade, assim se expressou sobre a visita de Bolsonaro a Israel:
Não é casual que a terceira viagem internacional seja a Israel. Temos um grupo que crê que a aproximação do Brasil a Israel ocupa uma etapa teológica, em uma expectativa escatológica, de retorno de Jesus, mas temos outro grupo (esse parece ser efetivamente o grupo de Bolsonaro) que acredita em uma Israel imaginária, que combate os bárbaros, que derruba o terrorismo, que é baseada em uma lógica judaico-cristã (seja lá o que isso signifique).
A visita de Bolsonaro é histórica, porque ignora a Israel real e investe naquela Israel de seus sonhos. Vai ao Muro das Lamentações, atira com arma, enfim, dá vazão a seus desejos. Faz isso ameaçando interesses econômicos, lógicas de mercado, tirando o Brasil do pragmatismo internacional, colocando-o em perspectivas apenas ideológicas. A visita de Bolsonaro a Israel prova o que muitos desconfiavam: o liberalismo do governo dele pode terminar na porta da igreja, ou do quartel.
Não temos e nunca tivemos problemas com os árabes. Temos, sim, com eles comércio rendoso e dinâmico. Não existe motivo algum para insultá-los, hostilizá-los. Chamamos pra nós sarna pra coçar. Romper com países desse núcleo implicaria em polpudos prejuízos financeiros ao País. De igual forma, atrair a ira árabe contra nós pode implicar em atrair também o terrorismo islâmico. Vale lembrar que o próprio Tio Sam, maior potência econômica e bélica do globo, País vivenciado na luta contra o terrorismo internacional, líder mundial, calejado em invasões, intervenções e em intromissões, hábil na espionagem internacional, acostumado à beligerância, sangrou em seu coração atacado que foi por terroristas no trágico episódio do 11 de setembro. Frente à águia americana o Brasil é um galinho garnisé mal emplumado. Não temos experiência, know how, treinamento e equipamento para travar essa guerra. O Brasil é um país de extensão continental, o que dificulta sua proteção. Essa luta não é nossa, já temos problemas demais a resolver. Urge que a ideologia e as paixões voltem a dar lugar ao equilíbrio, à serenidade e racionalidade e ao pragmatismo.
E na mesma visita a Israel, vem o senhor Bolsonaro, em outro rompante de grande infelicidade, defender que o nazismo é doutrina de esquerda. Com isso, procura afastar do nazismo sua verdadeira vocação de extrema direita, o que apoiaria a tese que, de fato, se pretende vender: a de que a direita e a extrema direita seriam uma coisa só. Em verdade, o espectro ideológico não é uma linha reta e horizontal, mas, tem sim o formato de uma ferradura, na qual os extremos se aproximam. Nazifascismo e comunismo, doutrinas totalitárias extremas e opostas, na ponta, cada qual, do espectro ideológico, terminam por se aproximar em muitos pontos doutrinários e de prática militante, tendo em comum primordialmente a vocação de domínio de coração e mente de seus súditos.
Quanto à China, grande parceiro econômico do Brasil na atualidade, em acordos comerciais travados e sacramentados nos longos anos de reinado petista, e parceira no BRICs, Bolsonaro, se não a hostiliza, segue tratando-a com a desconfiança, a frieza e a equidistância devidas a um contendor. Não há dúvida alguma de que isso implicará em consequências para o Brasil, seguramente não muito boas.
Pelo andar da carruagem, não causará assombro o dia em que Bolsonaro, acompanhado da Ministra Damares e do Chanceler Ernesto Araújo, convocar coletiva de imprensa para defender a aplicação no ensino público das doutrinas criacionista e de terra plana.