POEMA FÊMEO
Cícero Cavalcanti
O filósofo concebe na mulher
A interseção exata do bem e do mal,
ponto mediano do claro e do escuro,
O falso desencontro do belo e do estranho
E a patética fisiologia da dor e do prazer.
O poeta a vê em derradeiro raio,
Do astro rei assim, tão assim, sem majestade,
No ocaso de uma noite meia dia,
Prometendo madrugar um reino novo,
N’outra manhã exausta.
O sonhador a vê envolta e desenvolta
E, à sua volta, o vulto que esvoaça em brilho,
Que corrupia qual pião infante,
Nos rodopios e ventos coloridos,
Tal qual a imagem de um supor divino.
O poder a vê pela beleza,
como uma jóia a ser obtida
Ou tida a todo custo.
Visões sem ter valia.
Só o amor poderá vê-la,
como há de adorar ser vista,
Como criatura ou filosofia,
Ou em poesia, em matéria e sonho.
Só o amor a verá assim despida,
E ao mesmo tempo deliciosamente linda.
Só o amor a tornará mulher.