POEMA DA IRMÃ
Jorge de Lima
Ó irmã
agora que as noites vêm cedo
e paira por tudo
uma tristeza enorme
e o silêncio é tão longo
que os cães enlouquecem nas ruas,
irmã, vem me relembrar
que crescemos juntos
quando os dias eram compridos e diferentes.
Irmã, se tu sabes signos
para mudar o tempo, vem.
Vem que eu quero fugir
para outras paragens
onde as gaivotas sejam menos inúteis
e haja um coração em cada porto;
e os pássaros do mar
tão lavados e tão alvos
e tão lentos e tão sabedores de viagens
venham esvoaçar
sobre o meu cachimbo
em que os cometas do céu se apagaram.
Irmã, nos meus ritmos
há colegas que gritam:
Daubler, Ehrenstein, Stramm, suicidas,
vagabundos, crianças,
operários, leprosos e prostitutas que
se lembram ainda de suas orações familiares.
Há não sei onde outros ares e outras serras,
outros limites, adeus irmã.
Ó que noite longa,
Ó que noite tão longa!
Que é que chora lá fora?
— A humanidade ou qualquer fonte?