Raimundo Floriano
Arthur Azevedo é o maior vulto do Teatro Brasileiro!
Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo, nascido em São Luís do Maranhão, a 7 de julho de 1855, e falecido no Rio de Janeiro a 22 de outubro de 1908, com apenas 53 anos, dramaturgo, contista, poeta comediógrafo e jornalista, irmão mais velho de Aluísio Azevedo, este autor de O Cortiço e O Mulato, é uma das grandes figuras da Literatura Brasileira, em cuja obra campeia um fino e gracioso humorismo.
Seguiu para o Rio de Janeiro em 1873, aos 18 anos de idade, onde foi tradutor de folhetins e revisor de A Reforma, tornando-se conhecido por seus versos humorísticos. Escrevendo para o teatro, alcançou enorme sucesso com as peças Véspera de Reis e A Capital Federal, esta musical.
Dentre seus trabalhos, destacam-se Contos Possíveis, Contos Efêmeros, Contos Fora de Moda, Contos em Verso, Contos Cariocas e Vida Alheia. Espalhou também sua verve em dezenas de revistas teatrais e de esfuziantes comédias, entre as quais sobressaem O Dote, A Almanjarra, O Oráculo, Vida e Morte, Entre a Missa e o Almoço, Entre o Vermute e a Sopa, Retrato a Óleo e O, Amor por Anexins. Trabalhou nos principais jornais da época, no Rio de Janeiro, tendo fundado e dirigido A Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum.
Foi Fundador da Academia Brasileira de Letras e titular da Cadeira número 29, para a qual tomou Martins Penna como patrono.
No final dos Anos 1960, foi apresentada aqui em Brasília a peça musical de sua autoria, A Capital Federal, com produção de Cleyde Yaconis e grande elenco de 27 artistas, dentre os quais Etty Fraser, Suely Franco, Neuza Borges, Tamara Taxman e Carlos Alberto Riccelli, além de excelente orquestra, que considero o melhor espetáculo musical a que assisti em toda minha vida. A peça causou tal impressão em mim que, ao fundar a primeira banda carnavalesca brasiliense, em 1972, dei-lhe o nome de Banda da Capital Federal.
Possuo em meu acervo literário toda a obra desse grande gênio intelectual conterrâneo e, para fazê-la um pouco conhecida por todos vocês, meus diletos leitores, estarei, vez em quando, aqui neste Almanaque, trazendo à baila uma de suas magistrais criações, começando a partir de agora, com tema muito em voga nos tempos atuais.
O texto a seguir foi extraído do livro Contos Fora da Moda, encontrável hoje em sebos virtuais, assim como diversas itens de sua vasta produção literária.
PLEBISCITO
A cena passa-se em 1890.
A família está toda reunida na sala de jantar.
O Senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade.
Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.
Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.
Silêncio!
De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta:
– Papai, que é plebiscito?
O Senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.
‘ O pequeno insiste:
– Papai?
Pausa!
– Papai?
Dona Bernardina intervém:
– Ó Seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.
O Senhor Rodrigues não tem remédio, senão abrir os olhos.
– Que é? Que desejam vocês?
– Eu queria que papai me dissesse o que é plebiscito.
– Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?
– Se soubesse, não perguntava.
O Senhor Rodrigues volta-se para Dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola:
– Ó senhora, o pequeno não sabe o que é plebiscito!
– Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei.
– Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é plebiscito?
– Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é plebiscito.
– Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!
– A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A gente está esperando! Diga!...
– A senhora o que quer é enfezar-me!
– Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você falou, falou, falou, e o menino ficou sem saber!
– Proletário – acudiu o Senhor Rodrigues – é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.
– Sim, agora sabe porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito sem se arredar dessa cadeira!
– Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!
– Oh! Ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: – Não sei, Manduca, não sei o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho!
O Senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto e brada:
– Mas se eu sei!
– Pois se sabe, diga!
– Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!
E o Senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta.
No quarto, havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...
A menina toma a palavra:
– Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!
– Não fosse tolo – observa Dona Bernardina – e confessasse francamente que não sabia o que é plebiscito!
– Pois sim – acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão – pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.
– Sim! Sim! façam as pazes! – diz a menina em tom meigo e suplicante. – Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa do plebiscito!
Dona Bernardina dá um beijo na filha, e vai bater à porta do quarto:
– Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.
O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente.
Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balanço.
– É boa! – brada o Senhor Rodrigues depois de largo silêncio – é muito boa! Eu! Eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!...
A mulher e os filhos aproximam-se dele.
O homem continua num tom profundamente dogmático:
– Plebiscito...
E olha para todos os lados a ver se há ali mais alguém que possa aproveitar a lição.
– Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.
– Ah! – suspiram todos, aliviados.
– Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...